21 de jan. de 2009

Conto: A Máscara do Avatar em Amarelo

Eu jamais imaginaria que uma coisa dessas acontecesse de verdade. A gente lê histórias de terror, quadrinhos, assiste a filmes, viajamos por aquelas idéias macabras e nos deliciamos a cada susto, mesmo sabendo que tem alguém ali, atrás da porta, esperando a mocinha indefesa passar para lhe dar o golpe fatal. Chega a ser cômico. Mas a realidade não tem nada de engraçada. Estou com meu amigo, meu parceiro de tantos anos, meu companheiro no combate ao crime, preso na sala ao lado. Eu consigo escutar seus murros na porta. Estamos sozinhos na delegacia, e eu, na sala de interrogatório bem ao lado, tenho medo de ligar a luz. Não quero correr o risco de ver seu rosto novamente. Ele não é mais o Phillip, não mesmo.
Acho que ele sabe que eu estou aqui, deve ser por causa do brilho fraco deste laptop que estava em cima da mesa, que eu nem sei de quem é. Ele bate no vidro blindado. Está gritando alguma coisa que não consigo entender. Já tem dias que ele não fala coisa com coisa.
Se o comissário George ler isto, quero que saiba, Pai, que eu não lhe culpo mais pelo fiasco do churrasco no mês passado, afinal, fui eu quem trouxe a carne, portanto, não tem mais motivos da gente ficar discutindo não é mesmo? Bosta! Eu fico pensando nessas coisas. Poderia ter dito ao senhor o quanto eu o amo e o respeito. Vá logo buscar a Mãe e peça perdão a ela! Voltem a morar juntos tá?! A Amy vai ficar tão feliz. Fale para a Mãe te perdoar. Diga que foi um pedido meu, certo?
Eu preciso muito descrever o que houve porque, quem sabe assim as coisas não comecem a fazer um pouco mais de sentido na minha cabeça. Talvez tudo se ordene melhor e eu mesmo consiga decidir o que fazer.
Vocês devem se lembrar do caso da semana passada. Céus aquilo mexeu com os nervos de todo mundo. Pois bem, eu vou descrevê-lo melhor porque preciso confessar que existem alguns fatos que nós não reportamos no inquérito. Isso me envergonha e me entristece profundamente, ainda mais porque provavelmente essa seja a causa principal de eu estar aqui, acuado, com um Phillip enlouquecido, que não pára de esmurrar o grosso vidro que nos separa.
O caso da Rua 5, foi uma das coisas mais aterradoras pelas quais todos nós passamos. Claro que já vimos diversos casos terríveis mas em nenhum deles as circunstâncias eram tão macabras e inusitadas.
Sabe, os psicopatas dos filmes têm sempre aquela preocupação em serem inteligentes, são compulsivos em deixar pistas que liguem seus crimes, como uma forma de alimentarem seu ego. Têm uma necessidade de verem seus nomes nos jornais, os corpos de suas vítimas nos noticiários.
Alguns são realmente assim, mas acredito que mais pela idéia que a ficção faz desse tipo de assassino do que daquilo que realmente os impulsiona.
Quando começamos a receber as primeiras denúncias sobre o desaparecimento dos latinos, parecia mais um caso normal de simples criminosos resolvendo suas desavenças. Bom, pelo menos nós com o nosso preconceito achávamos que eles deveriam ter algo haver com drogas, roubos ou prostituição. Tá certo, isso foi nojento de nossa parte, mas a merda já tá feita.
O Chefe Jeremy separava todos os casos de latinos e deixava bem no fundo do seu arquivo, quando sobrasse tempo ele destacava algum desocupado para dar uma olhada sem muita dedicação.
Dessa vez fomos Phillip e eu. Ele estava tão desanimado com a tarefa que me incumbiu de praticamente tudo. Tá certo, ele é muito mais experiente, fazer o quê?
Eram nada mais do que catorze pessoas desaparecidas. Só uma delas era menor de idade, dentre as outras pessoas, quatro eram mulheres, de resto, as mesmas características: jovem, baixa renda, desempregado, alguns com ficha mas nenhum deles fora autuado por algo acima de badernagem ou por ser flagrado usando drogas.
Depoimentos bem típicos foi o que colhemos dos parentes e conhecidos: Ele era um bom garoto... más companhias, e todo o "blá-blá-blá" de sempre.
Até que, depois de uns dias ainda colhendo pistas, vimos um cara suspeito andando pelo bairro. Sabe, daquele que quando vê uma viatura de polícia trata de virar o rosto e seguir por outro caminho? Pois então, eles se entregam, não tem marginal que não fique com as pernas bambas quando vê um carro de polícia e isso fica nítido no olhar, no andar. nos gestos, enfim, resolvemos segui-lo.
Não deu outra, ele saiu correndo feito um desesperado, e entrou num beco fedido pra cacete. O Phillip parecia ter se empolgado com um pouco de ação e avançou para cima do coitado. Eu preciso confessar outra coisa grave, não é só porque ele está ali, do outro lado da sala de interrogatório, gritando feito um animal e se debatendo contra as paredes que eu digo isso, o Phillip sempre foi um policial violento nas ruas. Violento até demais.
Ele se arremessou contra o coitado que fugia da gente e a cabeçada que o cara deu numa parede do beco doeu até em mim.
Depois o rapaz rolou pelo chão com o nariz já ensangüentado, o Phillip não parava de chutar-lhe na barriga, até que eu tive de afastar meu amigo de perto dele. O cara chorava em um inglês péssimo, disse que correu porque não tinha visto para ficar no país e estava com medo de ser deportado. O Phillip se livrou de mim e foi na direção do rapaz novamente, mexeu nos seus bolsos e tirou de lá documentos e dinheiro. Ele disse que o rapaz não tinha o suficiente para que pudesse lhe ajudar. Céus sempre que ele fazia uma coisa dessas eu tinha vontade de dar um tiro na cara dele. Porra eu não sou nenhum santo, quando era parceiro do Mike eu e ele extorquimos muita grana, mas grana de gente grande! O Stu e a Syssy não ficam atrás não, portanto não venham com hipocrisia comigo mas também não me comparem com o que o Phillip gostava de fazer. É, gostava porque precisar do dinheiro deles ele não precisava. Era a porra de um prazer que ele tinha em fazer essa gente sofrer ainda mais. Ele continuou torturando o garoto psicologicamente até que eu ouvi uma porta abrindo no fundo do beco. O Phillip sacou sua arma e eu apontei logo minha lanterna para lá antes que o ele fizesse mais alguma besteira, como atirar em alguém sem nem saber quem é. Eu vi o senhor de avental branco se aproximando com as mãos levantadas dizendo que estava tudo bem. Era o Senhor Hashid, dono da lanchonete ao lado do beco. Ele contou que o rapaz se chama Carlos e que era um brasileiro que chegara na semana anterior e começara a trabalhar para ele.
Phillip não precisou dizer nada, o Senhor Hashid se aproximou e lhe deu um bolo de notas, parecia ter bastante. Ele ofereceu outro para mim mas eu não aceitei dizendo que estava tudo bem. Fomos embora e eu pude ver a tristeza no rosto do velho ao ajudar seu funcionário a se levantar. Que merda de país o nosso! Para quê essa gente vem morar aqui? Sofrer?
Na manhã seguinte o Phillip não apareceu, então resolvi continuar as investigações sozinho. Melhor assim, talvez conseguisse algumas informações de verdade, andando pelo bairro e conversando com conhecidos, por isso eu passei no mercadinho do Jamal. Meu pai deve se lembrar dele, brincávamos juntos quando pequenos.
Mostrei as fotos dos desaparecidos, ele disse reconhecer um ou outro mas acredita que tenha visto-os bem antes do desaparecimento. Perguntei se ele notara algo de estranho, se tinha gangue nova na região, essas coisas, ele disse que tudo estava na normalidade, pequenos furtos, brigas, gente usando drogas. Até uma coisa engraçada sobre um menininho chamado Juanito que sempre passava no mercado antes de ir para a escola e escondia um pacote de salgadinhos na mochila. Jamal não dizia nada, apenas anotava isso na conta da mãe do menino, que sempre pagou direitinho.
Eu tou viajando aqui nas minhas memórias, deve ser meu desespero.
Nas buscas, dos catorze desaparecidos, sete foram encontrados, dois estavam vagando simplesmente, a criança foi encontrada morta com sinais de estrangulamento e violência sexual, não precisou muito para o padrasto se entregar. Cara nojento, mataram ele na cadeia na noite em que foi preso, as quatro mulheres foram encontradas em um bordel, parece que ficaram viciadas em heroína e precisavam pagar suas dívidas se prostituindo para um traficante.
Restaram sete rapazes e desses ninguém tinha pistas mesmo.
Phillip e eu voltamos a investigar juntos, e aconteceu o que todo mundo já sabe, o Senhor Hashid foi até o departamento contar que o Carlos não vinha trabalhar tinha dois dias. Olhei na hora para o Phillip, que deu com os ombros, como sempre.
O Senhor Hashid nos deu o endereço do cortiço onde o rapaz morava e fomos até lá. Vasculhamos o cubículo não encontramos nada de especial, a não ser um anúncio de oferta de emprego para latinos ilegais. Suspeitíssimo. Phillip se empolgou em ir porque viu aí uma boa oportunidade de arrancar dinheiro de algum explorador que estivesse ganhando muita grana com a mão de obra barata deles. Eu queria logo era resolver essa merda toda e pegar casos de verdade.
Aguardamos o mandado ficar pronto e quando chegou a noite fomos até o endereço. Era um apartamento velho na rua 5, o endereço dizia que o apartamento era no último andar. Phillip subiu armado e eu me precavi também. Já estava um tanto tarde da noite, o que me chamou a atenção é que parecia um prédio totalmente abandonado. Nos andares de baixo não havia uma alma viva sequer. O elevador não funcionava e o Phillip reclamou até subirmos todos os andares.
A escuridão lá começou a me dar calafrios. Vocês sabem o que é entrar num lugar sem saber o que pode estar atrás da próxima porta. Mesmo armado a sensação de vulnerabilidade é terrível. Acendi minha lanterna e ajudei o Phillip a encontrar a porta do apartamento indicado.
Ele bateu e não houve resposta, depois derrubou a porta com um chute certeiro. Estava tudo quieto demais, eu esperava que não tivesse nada ali. Com a lanterna eu consegui iluminar um pouco o local, achei um interruptor mas as luzes não funcionavam. Era muita sujeira, tropeçamos em panelas e cacarecos espalhados pelo chão. Se o silêncio significasse nosso sucesso, estávamos fritos. Andamos mais um pouco quando eu comecei a ouvir uns barulhos estranhos. Vinha de um dos quartos daquele lugar bagunçado. Vou confessar um negócio, aquilo estava me fazendo borrar as calças de medo. Não dava para enxergar um palma na frente do nariz. As janelas pareciam estar todas lacradas. Acho que nem o mais claro dos dias conseguiria iluminar o lugar.
Eu levei a lanterna até a porta de onde eu ainda ouvira aqueles barulhos. Era eu abrir a porta para o Phillip invadir. Quando eu toquei no trinco os barulhos pararam, mesmo assim virei a maçaneta e comecei a empurrar a porta. Ela era absurdamente pesada e quando eu consegui abrir um pouco foi para cair para trás devido ao mal cheiro. Era nauseante demais o fedor de carne podre ali dentro. Me afastei e Phillip tampou o rosto da maneira que pôde.
Eu apontei a lanterna para dentro daquele quarto apodrecido e vi algo se movendo quando direcionei a luz para uma das paredes. Acho que o Phillip se esqueceu de suas idéias de extorsão agora, ele entrou no quarto mas ficou na minha cola ao invés de tomar a frente. Saímos de lá logo porque não deu para suportar o cheiro. Eu fiquei com uma ânsia muito forte e o Phillip segurou o vômito. Conhecíamos esse cheiro de carne humana em avançado estado de decomposição.
Eu perguntei quem estava la dentro, sem obter resposta mas ainda escutava algo se movendo ali. Tentei iluminar ficava difícil de entender o que é que tinha lá. Deu para perceber a armação de uma cama encostada em um canto, mas o pior era o quarto estar todo negro, como que se estivesse pintado.
Além disso tinha tantos objetos ali que não dava para saber onde apontar, o cara estava escondido por trás daquela bagunça, por isso ordenamos que ele saísse mas sem sucesso. Eu prendi a lanterna por cima do revolver e peguei um lenço para cobrir o rosto enquanto o Phillip ficou na porta dando cobertura. Entrei no quarto raspando os pés no chão para não tropeçar sem querer naquela baderna. Senti o chão ficando grudento conforme eu entrava, parecia cola. Quando direcionei a lanterna para baixo que percebi se tratar de muito sangue. Muito, eu nunca tinha visto tanto sangue na vida. Falei para o Phillip o que eu estava vendo e ele resmungou diversos palavrões.
Chamei pelo cara la dentro de novo e não tive resposta. Vasculhei por onde conseguia e procurava iluminar por todos os lados. Apontei a lanterna para uma parede e me lembrei que o merda do Phillip também tinha uma lanterna. Pedi para ele ligá-la, o que fez prontamente. Ele a acendeu e apontou para uma parede a minha direita, eu já devia estar bem no meio do quarto. Ele gritou meu nome e eu me virei o mais rápido que pude para ver. Era uma pessoa, ou o que sobrou dela, pedaços em cima de uma bancada escurecida pelo sangue putrefato. Eu apontei minha lanterna também e pude identificar melhor. Era um homem, várias partes do seu corpo faltando, a barriga aberta com as vísceras expostas e remexidas. Faltavam-lhe os olhos das órbitas também, mas o susto inicial logo foi superado, logo abaixo deu para ver vários corpos no mesmo estado. Moscas, muitas moscas naquela noite quente e infernal. Não me atrevi a chegar mais perto, até que Phillip mudou o foco da lanterna e eu o vi, parado, em frente a parede do fundo do quarto, ao lado de uma janela vedada por ripas de madeira. Impossível não ver aquilo, a luz das lanternas refletiu na roupa dele e tudo pareceu se iluminar mais. Ele vestia um inusitado robe amarelo, todo sujo, aos farrapos, tinha um capuz cobrindo o rosto, abaixado. Ele não se mexia. Mandei-lhe deitar-se e ele não me obedeceu. Anunciei que era da polícia e ele não moveu um músculo sequer. Dava apenas para notar sua respiração profunda.
Não conseguia ver os braços porque o robe os cobria. Falei um castelhano sem vergonha para ver se ele entendia e nada. Não ia me aproximar do cara porque ele poderia fazer qualquer coisa, esses malucos são assim. Notei o Phillip se aproximando devagar. Foi num piscar de olhos. Eu olhei para o Phillip vindo e quando me virei o cara não estava mais lá. Vasculhei em desespero com a lanterna mas não vi rastros dele. Tínhamos perdido ele de vista.
O Phillip chegou mais perto para ver os corpos e me ajudar a procurar pelo cara.
A porta fechou sozinha! Eu mijei nas calças! É sério! Fez um puta do barulho. O Phillip gritou e atirou varias vezes contra a porta, o cara deve ter dado a volta pelo outro lado, saiu e trancou a gente la dentro. O besta do Phillip foi correndo e tropeçou em alguma coisa, a lanterna dele voou pra longe, mas eu pude ver ele rolando no meio de todo daquele sangue coagulado. Quando eu vi que ele parou com o rosto em um monte de intestino embolado eu não segurei mais e vomitei copiosamente. Minhas pernas tremiam e o ar ali dentro já não fazia mal somente pelo fedor, não tinha oxigênio quase. Falei para o Phillip que a gente precisava sair dali rápido e ele se levantou do jeito que pode e começamos a caminhar até a porta. Dava para ver que ela era parecida com a porta de um frigorífico, por isso seu peso. Acho que a função dela ali era isolar aquele açougue de gente para que o cheiro não vazasse. Fiquei perto do Phillip andando com cuidado até a saída para tentar abrir a porta, quando escutamos um barulho do lado oposto, nos viramos imediatamente e não vimos nada. Assim que voltamos para a porta, o cara estava lá. Parado novamente. Seu rosto não estava mais abaixado e o que deu tempo de ver era que ele usava uma máscara. Uma máscara amarela, mas ele estava mais alto, bem mais alto. Foi quando eu percebi que seus pés não tocavam o chão.
É eu sei, parece loucura, por que vocês acham que isso não tá no inquérito? Eu tou contando agora já que tudo fodido mesmo! Caralho o que deveríamos fazer?! Descarregamos as armas naquele cara! É ele não estava armado como colocamos lá não! Ele não atirou na gente quando invadimos o apartamento. Foda-se o que vocês pensam sobre isso, mas eu digo que aquilo estava nos deixando malucos! O cara caiu, sei lá se estava flutuando ou se tinha se dependurado em algum lugar, mas eu me assustei, porra!
O cara ficou caído ali, ajoelhado aos pés da porta, o Phillip se aproximou e deu um último tiro no cara. Tá, ele exagerou. Eu queria era sair dali logo, procurei pelo trinco e graças aos céus o negócio não tava trancado. Respirar um pouco de ar salvou a minha vida. Arrastamos o corpo do cara para fora do quarto e eu pensei em procurar algum disjuntor ou qualquer coisa que pudesse ser usada para trazer um pouco de luz para aquele apartamento maldito.
Achei uma caixa de fusíveis bem velhos, um deles estava desconectado, foi só colocá-lo no lugar que tudo ficou iluminado. Phillip comemorou comigo e nós pudemos ver melhor quem tínhamos matado. Era óbvio que foi ele quem matou os rapazes latinos desaparecidos, mas atirar num cara desarmado não pega bem para a carreira de ninguém. Mesmo que o criminoso seja um monstro. Foi o Phillip que teve a idéia.
Ah vocês devem estar procurando no inquérito as roupas do cara, aquele manto amarelo sujo e esfarrapado, bem como a máscara que eu disse que vimos no rosto dele. Parem de procurar porque não tem, omitimos isso, o Phillip achou que poderiam usar isso para questionar se não atiramos por susto ou alguma reação involuntária. O cara precisaria parecer ameaçador, mas da maneira clássica.
Meu parceiro se abaixou para tirar a máscara do sujeito, estava difícil. Phillip ficou com um pouco de nojo porque fazia um barulho de carne amassada por debaixo daquilo. Além de mais cheiro de carniça.
Quem é que conseguia viver assim? Ele não um psicopata! Era um bicho!
Eu puxei o capuz amarelo para trás e segurei a cabeça do cara. O Phillip aos poucos foi descolando a máscara. Merda, o meu amigo se virou e vomitou na minha perna. Eu soltei a cabeça dele e o seu rosto virou na minha direção.
Olhos esbugalhados, a boca aberta, não era isso que me assustava. O cara tinha vários pedaços de coisas parecendo tentáculos saindo do rosto e ainda ele tinha mais de dois olhos! Tinha olhos na bochecha, na boca, na testa. Aquilo não era gente!
Nos afastamos mas não conseguimos tirar o olhar daquele rosto. O Phillip estava abismado, até que um dos olhos parecia se mexer e olhar para mim. Era o olho da testa!
Eu arrastei para trás e quase bati com a cabeça em um armário jogado ali no meio. Quando o olho parou de se mexer, ele caiu no chão. Estava colado, era a metade de um olho humano colado na testa daquele imbecil. O Phillip pegou uma faca que ele viu no chão e usou para descolar o resto das coisas que ele usara no rosto. O cara era insano! arrancou os olhos dos garotos, cortou e colou no próprio rosto? Colou pedaços de carne e tentáculos de lula! Puta merda, agora eu dou risada, eu já vi cada coisa nesses anos como policial, mas um louco desses era a primeira vez. Sei lá o que ele queria com isso, se era para assustar, o safado conseguiu.
Eu ajudei o Phillip a tirar o manto amarelo dele, o cara estava totalmente nu. Tinha a pele bem bronzeada, pensei ser indiano ou árabe, depois descobriu-se que era um turco chamado Kalil, embora não portasse documento algum, nem tivesse registro em nosso país, quem informou seu suposto nome foi o dono do prédio abandonado, que alugou o apartamento para ele.
O Phillip foi buscar uma arma fria na viatura, colocou uma luva e usou a mão do defunto para dar alguns tiros nas paredes. Como o prédio estava vazio, não precisaríamos explicar os buracos de bala pelo lado de dentro da porta onde estavam os corpos das vítimas, afinal, ninguém ouviu nada.
Phillip juntou o manto amarelo e a máscara e colocou em cima de uma mesa. Nessa hora percebi que ele encontrou algo, era um livro. Ele o pegou e me mostrou. Era um livro azul, velho, de capa dura e o papel do miolo era bem amarelado, dei uma folheada e estava escrito numa língua que eu não conhecia, não eram caracteres romanos sabe, parecia árabe ou hebraico, sei lá. Eu dei uma olhada na capa e ela tinha um símbolo em relevo, era amarelo e quando toquei-o percebi que era rígido e frio como metal. O desenho era muito estranho, algo como três espirais distorcidas, se encontrando em um ponto central, sei lá. Deixei o livro com o Phillip e fui até a viatura notificar a central do ocorrido. Depois comentei com o Phillip que ele deveria jogar fora o avental, a máscara e o livro para não levantar suspeitas do que tínhamos feito de verdade.
Afinal não mentimos tanto, acredito que o desfecho seria o mesmo de qualquer maneira, o cara nos ameaçou, só exageramos um pouco a ação dele. As vítimas estavam lá, esquartejadas e apodrecendo, ele teve o fim que mereceu!
Até aí estava tudo certo! Convencemos o promotor e o caso foi dado como encerrado. Não fosse o fato do Phillip não ter se livrado dos objetos do cara. Aquele doente guardou tudo! Até a máscara fedida e nojenta! Descobri quando passei na casa dele numa noite de plantão.
O manto estava estirado por cima do sofá, com a máscara e o livro na mesa de centro. Ralhei, mas ele se justificou, dizendo que ninguém sabia que o cara usava aquilo, portanto, não seria mal nenhum. Fiquei sismado mas o que poderia fazer? Até que peguei o Phillip folheando o livro na viatura noutra hora em que fui buscar uns Donnuts. Falei que ele deveria ter algum problema e o cara ficou transtornado. Saiu e foi para casa a pé me xingando de tudo quanto é nome.
Dei uma passada na mesma noite na casa dele, e a esposa me contou que ele estava ao lado da piscina já tinha umas horas. Fui ter com o Phillip, aquilo era muito estranho. Ele estava sentado na beira da piscina, com os pés na água. Perguntei o que ele estava fazendo lá e ele me disse que dali ele conseguia ver o lago Hali. Que diabos ele estava dizendo? Moramos a quilômetros do lago mais próximo. Além disso eu nunca ouvi falar desse aí.
Mas, por sorte, ele não estava violento, consegui tirá-lo da beira da piscina e ele me acompanhou até o quarto dele, onde eu consegui colocá-lo para dormir. A esposa dele começou a chorar e me perguntou se ele tinha voltado a usar drogas. Eu disse que não sabia, mas que também não vira ele aplicar, fumar ou cheirar nada. Ela me contou que durante a tarde ele havia pedido-a para procurar uma casa para se mudarem, ela anotou o nome da cidade que ele pediu para ela procurar. Me mostrou até o papel, o nome da cidade era Carcosa. Outra coisa estranha porque essa cidade simplesmente não existe nos Estados Unidos. Ela me contou que pesquisou até mesmo na internet e não encontrou nada. O Phillip ficou balbuciando na cama e eu deixei-o lá com sua mulher.
Ao passar pela sala, para ir embora, vi o terrível manto amarelo, sobrado em cima do sofá. Novamente a máscara em cima da mesa de centro, ao lado do livro. Aproveitei a inconsciência do Phillip e levei o livro comigo. Estava na hora de entender o fascínio que aquilo parecia exercer no meu amigo.
Não consegui ler nada. Não havia frase ou palavra ali que fosse de algum sentido para mim. Muitos desenhos, figuras geométricas estranhas demais, alguns rascunhos aparentemente arcaicos, eram desenhos de coisas que eu não sei explicar, uns bichos estranhos, cheios de olhos, misturas de cabritos com lulas, sei lá dizer o que era aquilo, mas um desenho me chamou atenção. Nele dava para identificar claramente que era um homem nu, a beira de um lago. Ele segurava pedaços de gente com as mãos erguidas, atrás deles haviam cabeças de pessoas e mais pedaços espalhados. Engraçado como eles desenhavam essas coisas antigamente, talvez os artistas não soubessem realmente como as pessoas eram por dentro ainda. Na frente do assassino, uma figura aterradora. Era uma figura encapuzada, que flutuava no ar, ela tinha um braço esquelético e o que parecia ser uma mão disforme se aproximava da testa do matador. Aquele fantasma flutuante possuía uma máscara. Sim, uma máscara muito parecida com aquela que o maluco usava. Um manto em farrapos, idêntico ao que Phillip estava guardando em casa. Fechei o livro tarde da noite e não consegui dormir. Eu não sou tão impressionável a ponto de acreditar nessas coisas, mas algo estava acontecendo. Sentia isso no ar.
Já que não havia nada escrito que eu pudesse compreender fui pesquisar o símbolo da capa. Era um sinal amarelo então procurei por isso na internet. Achei muitas coisas mas nada de útil, até que encontrei um site de ocultismo e nele falava alguma coisa, inclusive havia um desenho idêntico ao sinal da capa do livro.
Para dizer a verdade, achei tudo uma idiotice sem fim. Dizia se tratar do símbolo do Rei em Amarelo, ou coisa parecida, e que era usado para invocar um antigo deus que vivia nos confins da constelação de touro e que era perigoso demais para um ocultista comum invocar.
Besteiras dessa que ficam na cabeça de gente como o turco assassino e os fazem cometer essas loucuras de sacrifícios e rituais malditos.
Na manhã seguinte o Phillip não foi trabalhar. A esposa dele ligara para avisar que ele estava com febre, delirando na cama. Pensei em ir visitá-lo, mas a idéia que eu tive ,talvez, ajudasse mais. Como o maldito assassino dos garotos era Turco, talvez o Senhor Hashid tivesse alguma idéia do que estava acontecendo. Entrei na sua lanchonete, ele me recebeu sorridente e agradecendo por eu ter matado o maluco que trucidara o Carlos e os outros garotos latinos. Eu não perdi tempo e mostrei para ele o livro que eu peguei de Phillip e o Senhor Hashid emudeceu, expliquei rapidamente o que estava acontecendo com meu amigo e tudo o que ele fez foi me mandar embora da lanchonete. Tentei até mesmo usar do meu poder policial para que ele me dissesse o que sabia, mas foi em vão. Ele disse que preferia que eu o matasse a ele se envolver com o livro. Disse que se eu queria mesmo ajudar ao Phillip que eu desse um tiro em sua cabeça o mais rápido possível. Depois que me tirou de lá de dentro ele trocou a placa para "fechado".
Isso só deixou as coisas mais confusas para mim. Voltei para a viatura e comecei a dirigir na direção da casa do Phillip, quando meu celular tocou. Era a esposa dele me contando que ele despertara de repente e saiu ensandecido a procura do livro. Eu disse que iria procurar por ele e desliguei o aparelho, mas não foi preciso andar muito, na esquina seguinte ele apareceu, de pijama, bem na minha frente, quase que eu o atropelo. Assim que eu parei ele sacou a arma e começou a atirar em mim. Parece loucura, mas é verdade. Ele gritava perguntando do livro, eu só tive tempo de me abaixar, abri a porta do carro e corri para trás da viatura, o desgraçado continuou atirando e acertou meu braço de raspão. Quando ele foi atrás de mim, eu estava agachado, protegido pela traseira do carro e assim que vi suas pernas, apliquei uma rasteira que o fez cair na hora. Tomei sua arma e soquei seu rosto diversas vezes, até que desmaiou. Eu não estava acreditando naquilo! O Phillip enlouquecera de vez! Ele tentou me matar! Diversos pensamentos passavam pela minha cabeça, até mesmo a vontade de acabar com a vida dele ali mesmo. Mas eu não estava tão maluco assim, tinha esperança de que ele estaria passando por alguma coisa que o deixara daquele jeito, eu só não sabia o que era.
Coloquei-o desacordado na viatura e o levei para sua casa. A mulher dele me recebeu aos prantos, seu casal de filhos não entendia nada. Deixei ele no sofá e pedi para que cuidassem dele. Pedia a ela suas armas, inclusive as frias. Ela me mostrou onde ele as guardava e me entregou todas. Pedi para ela me ligar assim que ele acordasse. Deixei o livro ali para ele não sair por aí como um louco novamente,além disso aquilo me parecia inútil naquela hora. Fui para casa cuidar da minha ferida e pensar no que faria para ajudá-lo. Sabem como são os amigos, não? Não reportei o incidente porque acreditava que poderia resolver tudo sem prejudicá-lo. Eu sabia que o Phillip era meio desajustado, um pilantra, mas nunca seria de agir desse jeito se não estivesse com a razão abalada.
Logo que anoiteceu, meu celular tocou novamente, dessa vez era o Phillip. Ele se desculpou comigo, e disse que agora estava tudo resolvido na cabeça dele, que ele tinha ajeitado as coisas. Me pediu para ir lá porque, como eu era seu melhor amigo, ele queria muito me mostrar uma coisa.
Eu pensei que o pesadelo da loucura dele tinha acabado, e fui lá pronto para conversar com Phillip e ter meu parceiro de volta. Cheguei na casa dele e as luzes estavam todas apagadas. Procurei por ele mas não havia ninguém. Foi quando eu resolvi ir até o quintal.
Puta que pariu, eu perdi a força nas pernas. Aquilo me chocou mais do que o caso da Rua 5. Pedaços dos filhos dele espalhados pela grama, o sangue enegrecendo o caminho até a piscina. Mais a frente era a esposa dele que tinha seus braços, pernas, órgãos, espalhados de maneira desleixada. Eu via tudo através da luz da lua. Fazia frio e a água da piscina aquecida criava um nevoeiro que deixou a cena mais assustadora ainda. Eu vi o Phillip, vestindo o robe amarelo, segurando em ambas as mãos as cabeças dos seus filhos e da sua esposa. Ele estava cantando em alguma língua que eu não conhecia. Eu tremia tanto, mas mesmo assim continuava na direção dele. Quando ele ouviu meus passos ele se virou para mim. Eu vi a tenebrosa máscara sem expressão, Os trapos do capuz ao vento se juntando com os fiapos de sangue que ainda caiam dos pescoços da sua família. Ele disse que estava feliz por eu vir, que ele tinha algo para me mostrar. Continuou cantando até que arremessou a cabeça deles na água. Eu aproveitei e corri na direção dele. Joguei meu ombro nas suas costelas e rolamos pelo chão. Eu o venci rapidamente, ele não era tão hábil em lutas quanto eu. Novamente o desacordei. Removi a máscara e seus olhos arregalados me lembraram os do turco assassino. Saquei minha arma e apontei para a cabeça dele por alguns segundos. Estava prestes a acabar com aquilo tudo logo de uma vez. Como o Senhor Hashid disse, matá-lo seria a única coisa que poderia ajudar. Nessa hora eu vi o livro na beirada da piscina, junto dele um facão ensangüentado. Tudo girava na minha cabeça feito um furacão de idéias. Até agora estou confuso. Eu não tive coragem de matar o Phillip, apenas tirei aquele manto amarelo esfarrapado, ele estava sem roupa nenhuma por baixo. A primeira coisa que eu pensei em fazer foi me livrar daquilo. Juntei a máscara, o livro e o manto e ateei fogo. Fiquei sentado até me certificar de que aqueles objetos miseráveis viraram um amontoado de cinzas. Posso não ter feito a coisa certa, deveria ter ligado para a central, mas vocês ficariam tão perdidos quanto eu se passassem por algo parecido.
Eu não sei dizer quantas horas fiquei parado observando as chamas, logo a frente eu vi os restos dos filhos e da esposa de Phillip, meu amigo acabara com a vida dele por um motivo que nem eu sabia. Até que me lembrei da ilustração que eu observei no livro na hora em que eu o vi recobrar a consciência. Ele se ajoelhou no mesmo lugar onde eu o deixei, a névoa da piscina ficara mais densa, talvez por causa do frio da madrugada. Eu não fiz nada porque eu queria entender o que ele estava fazendo. O desgraçado começou a cantar novamente, ele levantou as mãos ao alto, praticamente gritando naquela língua estranha. Eu me levantei devagar e fui tirar ele dali, agora era hora de levá-lo para o distrito. Iria prender meu melhor amigo que enlouquecera do nada. Esquartejara sua família e jogara suas cabeças na piscina aquecida de onde saia uma neblina brilhante. Eu não me lembrava do Phillip ter tanta iluminação perto da piscina. Foi aí que eu vi. No meio da neblina eu vi algo se aproximando do Phillip. Alguma coisa estendendo a mão na direção da testa dele. Eu corri na direção dele e vi que não era mão alguma, era alguma geléia escura e translúcida, de onde saíam dedos disformes, eu puxei o Phillip que gritava enlouquecido. Corri de lá arrastando-o o mais rápido que pude. Meu coração parecia sair pela boca. Eu hesitei em olhar para trás, mas ao virar pela lateral da casa, não pude evitar de ver aquilo que estendia sua mão na direção do meu amigo. Era o manto amarelo, seus fiapos se moviam como se fosse alguma coisa viva. Por baixo do capuz a mesma máscara que eu queimara junto do livro e da vestimenta fantasmagórica.
Segurei meu amigo que se debatia e gritava, coloquei-o no banco de trás da viatura e corri para a delegacia. E agora ele está ali, nu, trancado, gritando nomes que não reconheço, falando coisas que talvez só façam sentido a sua mente transtornada. Eu não sei o que aconteceu com ele, mas ainda bem que eu decidi digitar tudo o que aconteceu, assim eu consegui me acalmar e perceber que aquela coisa que saiu da neblina era a mesma da ilustração do livro misterioso. Ou pode ser que eu apenas esteja impressionado e transtornado com tudo que vi.
Estranho que o Phillip parou de gritar agora a pouco, eu consigo ouví-lo cantar novamente. Vou verificar o que ele está fazendo.

Eu estou rindo comigo mesmo porque eu não consigo reagir de outra forma. Eu acendi minha lanterna e vi o Phillip ajoelhado no chão da sala de interrogatórios, com os braços erguidos, eu o chamei, mas ele não respondeu. Ele estava virado para um canto escuro e eu apontei minha lanterna para lá. Puta que pariu, o manto amarelo estava ali, flutuando na direção dele. A máscara sem expressão estava onde deveria ser o rosto da coisa, agora não há dúvidas. Eu não consegui desligar a lanterna. Acompanhei a figura se aproximar dele, ela estendeu seu braço e novamente aquela geléia sem forma imitava uma mão. Phillip cantava cada vez mais alto até que aquilo tocou sua testa. O que eu vi me fez jogar a lanterna longe e eu corri para cá novamente. O corpo do Phillip explodiu e seu sangue se espalhou como um balde de tinta vermelha sendo girado la dentro. Eu vi pedaços do seu rosto e vi seu olho se estatelarem no vidro por onde eu observei tudo.
Eu não sei porque continuo escrevendo, acho que isso me ajuda não me sentir sozinho. Eu não tenho coragem para me levantar e sair da sala, ou mesmo ir até o interruptor acender a luz. Tenho medo do que possa estar lá.
Acabei de ver aqui na parede em frente. Eu estava com a cabeça abaixada, na direção do monitor do laptop, mas meu campo de visão me permitiu ver os fiapos do manto amarelo. Eles se mexem como se ventasse em todas as direções aqui dentro. Parecem minhocas finíssimas, se debatendo em um anzol. Quanto mais ele se aproxima de mim mais eu vejo que o manto se parece com um amontoado de vermes finos. A coisa está falando comigo, mas não é som, ela sussurra algo na minha mente e eu não consigo evitar. Ela me pergunta se eu sou seu avatar. Eu não sei o que é isso, mas ela me pergunta se eu quero ser seu avatar. Se eu sou o avatar do rei. Ele me conta que veio de Carcosa, me fala de estrelas distantes e me fala do denso lago Hali. Eu não tenho coragem de levantar a cabeça, mas ele começa a se curvar em cima de mim, dá para ver um pedaço da sua máscara. Milhares de minhocas se debatem por trás da máscara e dentro do manto. Ele vai levantar o braço
vai tocar na minha testa, ele quer que eu diga o seu nome, mas eu nao entendo estou com medo, pai mae me perdoe eu amo todos voces o rei quer um avatar eu preciso dizer o nomede1123///á
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Ilustração: Celso Junior

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