23 de jan. de 2009

Novidades - Projetos em Andamento

Olá pessoal!

Gostaria de deixar vocês a par dos projetos em andamento, os trabalhos concluídos e sobre aquilo que pretendo realizar ^.^

Em primeiro está o lançamento do livro O Servidor e Outras Histórias pela editora Multifoco, estamos acertando os últimos detalhes e concluindo as revisões necessárias ^.^
Agora é organizar a festa de lançamento! Estou trabalhando nisso também. ^^v


Site da editora Multifoco

Outro trabalho importante meu foi a participação na antologia Réquiem Para O Natal pela Editora Andross, meu conto abre o livro e já prepara o leitor para o que ele encontrará pelos 43 contos restantes: Histórias de Terror e Suspense, distorcendo, brincando e assassinando a mítica egrégora do Natal.

Veja o Livro à venda na livraria cultura

Dica: O Meu conto está disponível em pdf no site, clique em "Ler 1o. Capítulo"

Já tenho cinco dos dez contos necessário para um segundo livro de contos, chamado: "...e nenhuma luz te salvará". Não há acerto com nenhuma editora ainda, mas mesmo de forma independente ele será lançado neste ano.


Assim que concluir esse segundo livro, me dedicarei a escrita de dois romances, um deles é o tão adiado Theomagick, que terá uma dedicação especial por se tratar da minha primeira tentativa de escrever uma romance complexo, cheio de personagens e situações diferentes.

O segundo romance é uma comédia sócio-crítica-sci-fi-tupiniquim cujo título ainda não está completamente definido mas será divulgado assim que começar a tomar alguma forma real.

É isso aí galera, aproveitei para divulgar um pouco sobre o que ando fazendo nessa minha empreitada ao mundo literário brasileiro! ^^

Vejos vocês no próximo post!

22 de jan. de 2009

Sobre Tipos e o Cálculo da Coluna de Texto Ideal

Olá pessoal! Venho apresentar mais um tutorial. No tutorial anterior eu expliquei como imprimir, em casa, o boneco do seu livro, agora vou incrementar a coisa e começar a falar sobre a formatação do texto antes de enviar para a impressora ou mesmo para um arquivo em PDF.
Mas primeiro, vamos nos ater a um aspecto muito importante ao começarmos a formatar um livro:

Familia de Tipos


Tipos são a formato da letra que se usa para representar determinado caractere. Quando a prensa foi inventada, primeiramente da china, depois adaptada e aperfeiçoada por Guttenberg (considerado o Pai da Impressão) a coisa era bem mais complicada de se fazer.
Todos estamos acostumados com a facilidade em se digitar e obter a familia de tipo a qualquer momento no computador. Trocando e testando os resultados, mas essa tecnologia é baseada na antigo forma de se usar os tipos móveis de metal, onde eram usados para compor palavra por palavra, linha por linha e página por página de um impresso a ser produzido nas arcaicas máquinas tipográficas. Vejam do que é composto (fisicamente) um tipo.:

Anatomia do tipo móvel de metal

Elementos principais

a. Olho
b. Face(anterior) ou Barriga
c. Corpo

Detalhes

1. Rebarba ou talude
2. Risca ou ranhura
3. Canal ou goteira
4. Pé.

(fonte: Wikipedia)


Para as fontes digitais (evoluídas desse principio) sobraram poucas propriedades importantes:

Corpo
Olho

Quando selecionamos o tamanho de uma fonte, estamos nos atendo ao Corpo. Por exemplo, a Times New Roman de tamanho 12 possui 12 pontos de Corpo. O ponto é uma medida bem utilizada em tipografia, e equivale a 1/72 de polegada.
Fazendo a conversão, significa que uma fonte de corpo 12 possui 12 * 1/72 = 0,17pol, ou 4,318mm.
Isso está relacionado a altura do tipo, e não seu comprimento que varia não só entre famílias e tamanhos dos tipos, como também entre as fontes do mesmo tipo e tamanho, por exempo "A" e "a" tem comprimentos diferentes, porém a mesma altura, todas em uma linha base. A altura uniforme das fontes é o que dá a elas a possibilidade de se criar uma carreira reta de texto. É justamente nessa carreira que se encontra o segredo do cálculo da coluna perfeita.

Já devem ter percebido que ás vezes é meio difícil se ler determinado texto? Isso ocorre ou porque a linha fica extensa demais, tornando-o cansativo, ou a linha é curta demais, tornando-o confuso.
Existe um modo bem simples de se calcular a proporção ideal do comprimento da linha de texto, baseado justamente no tipo e no corpo da fonte.
Vamos tomar por exemplo a Times New Roman, com o corpo 11pt.
Digite uma sequência do abecedário usando essa fonte no seu computador, tudo em letras minúsculas

abcdefghijklmnopqrstuvwxyz

Imprima esse pequeno bloco e meça-o. Você pode medir no computador, caso use algum programa que dê o tamanho exato dos objetos que você cria. O Inkscape é uma boa pedida para isso (http://www.inkscape.org).

Usando o Inkscape para medir o abecedário.


Ao medir você perceberá que esse abecedário, com essa familia e corpo, tem, aproximadamente, 37mm.
A largura ideal para uma coluna de textos com ESSA configuração de fonte é:

Tamanho do Abecedário x 2.5 (+ ou - 25%)

Assim, o tamanho ideal para essa coluna de textos é de 92.5mm, podendo variar entre -25% (69,37mm) e +25% (115,62mm)

Isso quer dizer que uma coluna de textos composta por Times New Roman, corpo 11, deve ser composta entre 69,37mm e 115,62mm, tendo 92,5mm como a medida ideal de leitura.

Usando o próprio inkscape para ilustrar os três tamanhos para a coluna de texto, o mínimo (ciano), o ideal (verde) e o máximo (vermelho)

Passando isso para seu programa de processamento de textos, configurando a página como A5, temos 148mm de largura, se usarmos a medida ideal da coluna, usaremos 92,5mm para o texto, sobram 55,5 para as margens, podemos dividir por igual ou fazer um deslocamento do miolo para que o texto não fique muito junto da colagem, podendo ser 30mm para o lado interno e 25.5mm para o lado externo.


A configuração da página e das margens no BrOffice


A página mostrando a área da coluna de texto.



Exemplo de como fica o texto, no tipo e corpo escolhidos, dentro da coluna ideal

Algumas familias de fontes bem utilizadas para livros são: Caslon, Garamond, Times, Baskerville e Book Antiqua, mas tudo vai depender do tema da publicação, por exemplo a literatura cai bem com textos que possuam serifa enquanto os sem-serifa são mais usados para livros técnicos, mas isso não é uma regra ^^

Abraços a todos e nos vemos no próximo tutorial ^^v

21 de jan. de 2009

Conto: A Máscara do Avatar em Amarelo

Eu jamais imaginaria que uma coisa dessas acontecesse de verdade. A gente lê histórias de terror, quadrinhos, assiste a filmes, viajamos por aquelas idéias macabras e nos deliciamos a cada susto, mesmo sabendo que tem alguém ali, atrás da porta, esperando a mocinha indefesa passar para lhe dar o golpe fatal. Chega a ser cômico. Mas a realidade não tem nada de engraçada. Estou com meu amigo, meu parceiro de tantos anos, meu companheiro no combate ao crime, preso na sala ao lado. Eu consigo escutar seus murros na porta. Estamos sozinhos na delegacia, e eu, na sala de interrogatório bem ao lado, tenho medo de ligar a luz. Não quero correr o risco de ver seu rosto novamente. Ele não é mais o Phillip, não mesmo.
Acho que ele sabe que eu estou aqui, deve ser por causa do brilho fraco deste laptop que estava em cima da mesa, que eu nem sei de quem é. Ele bate no vidro blindado. Está gritando alguma coisa que não consigo entender. Já tem dias que ele não fala coisa com coisa.
Se o comissário George ler isto, quero que saiba, Pai, que eu não lhe culpo mais pelo fiasco do churrasco no mês passado, afinal, fui eu quem trouxe a carne, portanto, não tem mais motivos da gente ficar discutindo não é mesmo? Bosta! Eu fico pensando nessas coisas. Poderia ter dito ao senhor o quanto eu o amo e o respeito. Vá logo buscar a Mãe e peça perdão a ela! Voltem a morar juntos tá?! A Amy vai ficar tão feliz. Fale para a Mãe te perdoar. Diga que foi um pedido meu, certo?
Eu preciso muito descrever o que houve porque, quem sabe assim as coisas não comecem a fazer um pouco mais de sentido na minha cabeça. Talvez tudo se ordene melhor e eu mesmo consiga decidir o que fazer.
Vocês devem se lembrar do caso da semana passada. Céus aquilo mexeu com os nervos de todo mundo. Pois bem, eu vou descrevê-lo melhor porque preciso confessar que existem alguns fatos que nós não reportamos no inquérito. Isso me envergonha e me entristece profundamente, ainda mais porque provavelmente essa seja a causa principal de eu estar aqui, acuado, com um Phillip enlouquecido, que não pára de esmurrar o grosso vidro que nos separa.
O caso da Rua 5, foi uma das coisas mais aterradoras pelas quais todos nós passamos. Claro que já vimos diversos casos terríveis mas em nenhum deles as circunstâncias eram tão macabras e inusitadas.
Sabe, os psicopatas dos filmes têm sempre aquela preocupação em serem inteligentes, são compulsivos em deixar pistas que liguem seus crimes, como uma forma de alimentarem seu ego. Têm uma necessidade de verem seus nomes nos jornais, os corpos de suas vítimas nos noticiários.
Alguns são realmente assim, mas acredito que mais pela idéia que a ficção faz desse tipo de assassino do que daquilo que realmente os impulsiona.
Quando começamos a receber as primeiras denúncias sobre o desaparecimento dos latinos, parecia mais um caso normal de simples criminosos resolvendo suas desavenças. Bom, pelo menos nós com o nosso preconceito achávamos que eles deveriam ter algo haver com drogas, roubos ou prostituição. Tá certo, isso foi nojento de nossa parte, mas a merda já tá feita.
O Chefe Jeremy separava todos os casos de latinos e deixava bem no fundo do seu arquivo, quando sobrasse tempo ele destacava algum desocupado para dar uma olhada sem muita dedicação.
Dessa vez fomos Phillip e eu. Ele estava tão desanimado com a tarefa que me incumbiu de praticamente tudo. Tá certo, ele é muito mais experiente, fazer o quê?
Eram nada mais do que catorze pessoas desaparecidas. Só uma delas era menor de idade, dentre as outras pessoas, quatro eram mulheres, de resto, as mesmas características: jovem, baixa renda, desempregado, alguns com ficha mas nenhum deles fora autuado por algo acima de badernagem ou por ser flagrado usando drogas.
Depoimentos bem típicos foi o que colhemos dos parentes e conhecidos: Ele era um bom garoto... más companhias, e todo o "blá-blá-blá" de sempre.
Até que, depois de uns dias ainda colhendo pistas, vimos um cara suspeito andando pelo bairro. Sabe, daquele que quando vê uma viatura de polícia trata de virar o rosto e seguir por outro caminho? Pois então, eles se entregam, não tem marginal que não fique com as pernas bambas quando vê um carro de polícia e isso fica nítido no olhar, no andar. nos gestos, enfim, resolvemos segui-lo.
Não deu outra, ele saiu correndo feito um desesperado, e entrou num beco fedido pra cacete. O Phillip parecia ter se empolgado com um pouco de ação e avançou para cima do coitado. Eu preciso confessar outra coisa grave, não é só porque ele está ali, do outro lado da sala de interrogatório, gritando feito um animal e se debatendo contra as paredes que eu digo isso, o Phillip sempre foi um policial violento nas ruas. Violento até demais.
Ele se arremessou contra o coitado que fugia da gente e a cabeçada que o cara deu numa parede do beco doeu até em mim.
Depois o rapaz rolou pelo chão com o nariz já ensangüentado, o Phillip não parava de chutar-lhe na barriga, até que eu tive de afastar meu amigo de perto dele. O cara chorava em um inglês péssimo, disse que correu porque não tinha visto para ficar no país e estava com medo de ser deportado. O Phillip se livrou de mim e foi na direção do rapaz novamente, mexeu nos seus bolsos e tirou de lá documentos e dinheiro. Ele disse que o rapaz não tinha o suficiente para que pudesse lhe ajudar. Céus sempre que ele fazia uma coisa dessas eu tinha vontade de dar um tiro na cara dele. Porra eu não sou nenhum santo, quando era parceiro do Mike eu e ele extorquimos muita grana, mas grana de gente grande! O Stu e a Syssy não ficam atrás não, portanto não venham com hipocrisia comigo mas também não me comparem com o que o Phillip gostava de fazer. É, gostava porque precisar do dinheiro deles ele não precisava. Era a porra de um prazer que ele tinha em fazer essa gente sofrer ainda mais. Ele continuou torturando o garoto psicologicamente até que eu ouvi uma porta abrindo no fundo do beco. O Phillip sacou sua arma e eu apontei logo minha lanterna para lá antes que o ele fizesse mais alguma besteira, como atirar em alguém sem nem saber quem é. Eu vi o senhor de avental branco se aproximando com as mãos levantadas dizendo que estava tudo bem. Era o Senhor Hashid, dono da lanchonete ao lado do beco. Ele contou que o rapaz se chama Carlos e que era um brasileiro que chegara na semana anterior e começara a trabalhar para ele.
Phillip não precisou dizer nada, o Senhor Hashid se aproximou e lhe deu um bolo de notas, parecia ter bastante. Ele ofereceu outro para mim mas eu não aceitei dizendo que estava tudo bem. Fomos embora e eu pude ver a tristeza no rosto do velho ao ajudar seu funcionário a se levantar. Que merda de país o nosso! Para quê essa gente vem morar aqui? Sofrer?
Na manhã seguinte o Phillip não apareceu, então resolvi continuar as investigações sozinho. Melhor assim, talvez conseguisse algumas informações de verdade, andando pelo bairro e conversando com conhecidos, por isso eu passei no mercadinho do Jamal. Meu pai deve se lembrar dele, brincávamos juntos quando pequenos.
Mostrei as fotos dos desaparecidos, ele disse reconhecer um ou outro mas acredita que tenha visto-os bem antes do desaparecimento. Perguntei se ele notara algo de estranho, se tinha gangue nova na região, essas coisas, ele disse que tudo estava na normalidade, pequenos furtos, brigas, gente usando drogas. Até uma coisa engraçada sobre um menininho chamado Juanito que sempre passava no mercado antes de ir para a escola e escondia um pacote de salgadinhos na mochila. Jamal não dizia nada, apenas anotava isso na conta da mãe do menino, que sempre pagou direitinho.
Eu tou viajando aqui nas minhas memórias, deve ser meu desespero.
Nas buscas, dos catorze desaparecidos, sete foram encontrados, dois estavam vagando simplesmente, a criança foi encontrada morta com sinais de estrangulamento e violência sexual, não precisou muito para o padrasto se entregar. Cara nojento, mataram ele na cadeia na noite em que foi preso, as quatro mulheres foram encontradas em um bordel, parece que ficaram viciadas em heroína e precisavam pagar suas dívidas se prostituindo para um traficante.
Restaram sete rapazes e desses ninguém tinha pistas mesmo.
Phillip e eu voltamos a investigar juntos, e aconteceu o que todo mundo já sabe, o Senhor Hashid foi até o departamento contar que o Carlos não vinha trabalhar tinha dois dias. Olhei na hora para o Phillip, que deu com os ombros, como sempre.
O Senhor Hashid nos deu o endereço do cortiço onde o rapaz morava e fomos até lá. Vasculhamos o cubículo não encontramos nada de especial, a não ser um anúncio de oferta de emprego para latinos ilegais. Suspeitíssimo. Phillip se empolgou em ir porque viu aí uma boa oportunidade de arrancar dinheiro de algum explorador que estivesse ganhando muita grana com a mão de obra barata deles. Eu queria logo era resolver essa merda toda e pegar casos de verdade.
Aguardamos o mandado ficar pronto e quando chegou a noite fomos até o endereço. Era um apartamento velho na rua 5, o endereço dizia que o apartamento era no último andar. Phillip subiu armado e eu me precavi também. Já estava um tanto tarde da noite, o que me chamou a atenção é que parecia um prédio totalmente abandonado. Nos andares de baixo não havia uma alma viva sequer. O elevador não funcionava e o Phillip reclamou até subirmos todos os andares.
A escuridão lá começou a me dar calafrios. Vocês sabem o que é entrar num lugar sem saber o que pode estar atrás da próxima porta. Mesmo armado a sensação de vulnerabilidade é terrível. Acendi minha lanterna e ajudei o Phillip a encontrar a porta do apartamento indicado.
Ele bateu e não houve resposta, depois derrubou a porta com um chute certeiro. Estava tudo quieto demais, eu esperava que não tivesse nada ali. Com a lanterna eu consegui iluminar um pouco o local, achei um interruptor mas as luzes não funcionavam. Era muita sujeira, tropeçamos em panelas e cacarecos espalhados pelo chão. Se o silêncio significasse nosso sucesso, estávamos fritos. Andamos mais um pouco quando eu comecei a ouvir uns barulhos estranhos. Vinha de um dos quartos daquele lugar bagunçado. Vou confessar um negócio, aquilo estava me fazendo borrar as calças de medo. Não dava para enxergar um palma na frente do nariz. As janelas pareciam estar todas lacradas. Acho que nem o mais claro dos dias conseguiria iluminar o lugar.
Eu levei a lanterna até a porta de onde eu ainda ouvira aqueles barulhos. Era eu abrir a porta para o Phillip invadir. Quando eu toquei no trinco os barulhos pararam, mesmo assim virei a maçaneta e comecei a empurrar a porta. Ela era absurdamente pesada e quando eu consegui abrir um pouco foi para cair para trás devido ao mal cheiro. Era nauseante demais o fedor de carne podre ali dentro. Me afastei e Phillip tampou o rosto da maneira que pôde.
Eu apontei a lanterna para dentro daquele quarto apodrecido e vi algo se movendo quando direcionei a luz para uma das paredes. Acho que o Phillip se esqueceu de suas idéias de extorsão agora, ele entrou no quarto mas ficou na minha cola ao invés de tomar a frente. Saímos de lá logo porque não deu para suportar o cheiro. Eu fiquei com uma ânsia muito forte e o Phillip segurou o vômito. Conhecíamos esse cheiro de carne humana em avançado estado de decomposição.
Eu perguntei quem estava la dentro, sem obter resposta mas ainda escutava algo se movendo ali. Tentei iluminar ficava difícil de entender o que é que tinha lá. Deu para perceber a armação de uma cama encostada em um canto, mas o pior era o quarto estar todo negro, como que se estivesse pintado.
Além disso tinha tantos objetos ali que não dava para saber onde apontar, o cara estava escondido por trás daquela bagunça, por isso ordenamos que ele saísse mas sem sucesso. Eu prendi a lanterna por cima do revolver e peguei um lenço para cobrir o rosto enquanto o Phillip ficou na porta dando cobertura. Entrei no quarto raspando os pés no chão para não tropeçar sem querer naquela baderna. Senti o chão ficando grudento conforme eu entrava, parecia cola. Quando direcionei a lanterna para baixo que percebi se tratar de muito sangue. Muito, eu nunca tinha visto tanto sangue na vida. Falei para o Phillip o que eu estava vendo e ele resmungou diversos palavrões.
Chamei pelo cara la dentro de novo e não tive resposta. Vasculhei por onde conseguia e procurava iluminar por todos os lados. Apontei a lanterna para uma parede e me lembrei que o merda do Phillip também tinha uma lanterna. Pedi para ele ligá-la, o que fez prontamente. Ele a acendeu e apontou para uma parede a minha direita, eu já devia estar bem no meio do quarto. Ele gritou meu nome e eu me virei o mais rápido que pude para ver. Era uma pessoa, ou o que sobrou dela, pedaços em cima de uma bancada escurecida pelo sangue putrefato. Eu apontei minha lanterna também e pude identificar melhor. Era um homem, várias partes do seu corpo faltando, a barriga aberta com as vísceras expostas e remexidas. Faltavam-lhe os olhos das órbitas também, mas o susto inicial logo foi superado, logo abaixo deu para ver vários corpos no mesmo estado. Moscas, muitas moscas naquela noite quente e infernal. Não me atrevi a chegar mais perto, até que Phillip mudou o foco da lanterna e eu o vi, parado, em frente a parede do fundo do quarto, ao lado de uma janela vedada por ripas de madeira. Impossível não ver aquilo, a luz das lanternas refletiu na roupa dele e tudo pareceu se iluminar mais. Ele vestia um inusitado robe amarelo, todo sujo, aos farrapos, tinha um capuz cobrindo o rosto, abaixado. Ele não se mexia. Mandei-lhe deitar-se e ele não me obedeceu. Anunciei que era da polícia e ele não moveu um músculo sequer. Dava apenas para notar sua respiração profunda.
Não conseguia ver os braços porque o robe os cobria. Falei um castelhano sem vergonha para ver se ele entendia e nada. Não ia me aproximar do cara porque ele poderia fazer qualquer coisa, esses malucos são assim. Notei o Phillip se aproximando devagar. Foi num piscar de olhos. Eu olhei para o Phillip vindo e quando me virei o cara não estava mais lá. Vasculhei em desespero com a lanterna mas não vi rastros dele. Tínhamos perdido ele de vista.
O Phillip chegou mais perto para ver os corpos e me ajudar a procurar pelo cara.
A porta fechou sozinha! Eu mijei nas calças! É sério! Fez um puta do barulho. O Phillip gritou e atirou varias vezes contra a porta, o cara deve ter dado a volta pelo outro lado, saiu e trancou a gente la dentro. O besta do Phillip foi correndo e tropeçou em alguma coisa, a lanterna dele voou pra longe, mas eu pude ver ele rolando no meio de todo daquele sangue coagulado. Quando eu vi que ele parou com o rosto em um monte de intestino embolado eu não segurei mais e vomitei copiosamente. Minhas pernas tremiam e o ar ali dentro já não fazia mal somente pelo fedor, não tinha oxigênio quase. Falei para o Phillip que a gente precisava sair dali rápido e ele se levantou do jeito que pode e começamos a caminhar até a porta. Dava para ver que ela era parecida com a porta de um frigorífico, por isso seu peso. Acho que a função dela ali era isolar aquele açougue de gente para que o cheiro não vazasse. Fiquei perto do Phillip andando com cuidado até a saída para tentar abrir a porta, quando escutamos um barulho do lado oposto, nos viramos imediatamente e não vimos nada. Assim que voltamos para a porta, o cara estava lá. Parado novamente. Seu rosto não estava mais abaixado e o que deu tempo de ver era que ele usava uma máscara. Uma máscara amarela, mas ele estava mais alto, bem mais alto. Foi quando eu percebi que seus pés não tocavam o chão.
É eu sei, parece loucura, por que vocês acham que isso não tá no inquérito? Eu tou contando agora já que tudo fodido mesmo! Caralho o que deveríamos fazer?! Descarregamos as armas naquele cara! É ele não estava armado como colocamos lá não! Ele não atirou na gente quando invadimos o apartamento. Foda-se o que vocês pensam sobre isso, mas eu digo que aquilo estava nos deixando malucos! O cara caiu, sei lá se estava flutuando ou se tinha se dependurado em algum lugar, mas eu me assustei, porra!
O cara ficou caído ali, ajoelhado aos pés da porta, o Phillip se aproximou e deu um último tiro no cara. Tá, ele exagerou. Eu queria era sair dali logo, procurei pelo trinco e graças aos céus o negócio não tava trancado. Respirar um pouco de ar salvou a minha vida. Arrastamos o corpo do cara para fora do quarto e eu pensei em procurar algum disjuntor ou qualquer coisa que pudesse ser usada para trazer um pouco de luz para aquele apartamento maldito.
Achei uma caixa de fusíveis bem velhos, um deles estava desconectado, foi só colocá-lo no lugar que tudo ficou iluminado. Phillip comemorou comigo e nós pudemos ver melhor quem tínhamos matado. Era óbvio que foi ele quem matou os rapazes latinos desaparecidos, mas atirar num cara desarmado não pega bem para a carreira de ninguém. Mesmo que o criminoso seja um monstro. Foi o Phillip que teve a idéia.
Ah vocês devem estar procurando no inquérito as roupas do cara, aquele manto amarelo sujo e esfarrapado, bem como a máscara que eu disse que vimos no rosto dele. Parem de procurar porque não tem, omitimos isso, o Phillip achou que poderiam usar isso para questionar se não atiramos por susto ou alguma reação involuntária. O cara precisaria parecer ameaçador, mas da maneira clássica.
Meu parceiro se abaixou para tirar a máscara do sujeito, estava difícil. Phillip ficou com um pouco de nojo porque fazia um barulho de carne amassada por debaixo daquilo. Além de mais cheiro de carniça.
Quem é que conseguia viver assim? Ele não um psicopata! Era um bicho!
Eu puxei o capuz amarelo para trás e segurei a cabeça do cara. O Phillip aos poucos foi descolando a máscara. Merda, o meu amigo se virou e vomitou na minha perna. Eu soltei a cabeça dele e o seu rosto virou na minha direção.
Olhos esbugalhados, a boca aberta, não era isso que me assustava. O cara tinha vários pedaços de coisas parecendo tentáculos saindo do rosto e ainda ele tinha mais de dois olhos! Tinha olhos na bochecha, na boca, na testa. Aquilo não era gente!
Nos afastamos mas não conseguimos tirar o olhar daquele rosto. O Phillip estava abismado, até que um dos olhos parecia se mexer e olhar para mim. Era o olho da testa!
Eu arrastei para trás e quase bati com a cabeça em um armário jogado ali no meio. Quando o olho parou de se mexer, ele caiu no chão. Estava colado, era a metade de um olho humano colado na testa daquele imbecil. O Phillip pegou uma faca que ele viu no chão e usou para descolar o resto das coisas que ele usara no rosto. O cara era insano! arrancou os olhos dos garotos, cortou e colou no próprio rosto? Colou pedaços de carne e tentáculos de lula! Puta merda, agora eu dou risada, eu já vi cada coisa nesses anos como policial, mas um louco desses era a primeira vez. Sei lá o que ele queria com isso, se era para assustar, o safado conseguiu.
Eu ajudei o Phillip a tirar o manto amarelo dele, o cara estava totalmente nu. Tinha a pele bem bronzeada, pensei ser indiano ou árabe, depois descobriu-se que era um turco chamado Kalil, embora não portasse documento algum, nem tivesse registro em nosso país, quem informou seu suposto nome foi o dono do prédio abandonado, que alugou o apartamento para ele.
O Phillip foi buscar uma arma fria na viatura, colocou uma luva e usou a mão do defunto para dar alguns tiros nas paredes. Como o prédio estava vazio, não precisaríamos explicar os buracos de bala pelo lado de dentro da porta onde estavam os corpos das vítimas, afinal, ninguém ouviu nada.
Phillip juntou o manto amarelo e a máscara e colocou em cima de uma mesa. Nessa hora percebi que ele encontrou algo, era um livro. Ele o pegou e me mostrou. Era um livro azul, velho, de capa dura e o papel do miolo era bem amarelado, dei uma folheada e estava escrito numa língua que eu não conhecia, não eram caracteres romanos sabe, parecia árabe ou hebraico, sei lá. Eu dei uma olhada na capa e ela tinha um símbolo em relevo, era amarelo e quando toquei-o percebi que era rígido e frio como metal. O desenho era muito estranho, algo como três espirais distorcidas, se encontrando em um ponto central, sei lá. Deixei o livro com o Phillip e fui até a viatura notificar a central do ocorrido. Depois comentei com o Phillip que ele deveria jogar fora o avental, a máscara e o livro para não levantar suspeitas do que tínhamos feito de verdade.
Afinal não mentimos tanto, acredito que o desfecho seria o mesmo de qualquer maneira, o cara nos ameaçou, só exageramos um pouco a ação dele. As vítimas estavam lá, esquartejadas e apodrecendo, ele teve o fim que mereceu!
Até aí estava tudo certo! Convencemos o promotor e o caso foi dado como encerrado. Não fosse o fato do Phillip não ter se livrado dos objetos do cara. Aquele doente guardou tudo! Até a máscara fedida e nojenta! Descobri quando passei na casa dele numa noite de plantão.
O manto estava estirado por cima do sofá, com a máscara e o livro na mesa de centro. Ralhei, mas ele se justificou, dizendo que ninguém sabia que o cara usava aquilo, portanto, não seria mal nenhum. Fiquei sismado mas o que poderia fazer? Até que peguei o Phillip folheando o livro na viatura noutra hora em que fui buscar uns Donnuts. Falei que ele deveria ter algum problema e o cara ficou transtornado. Saiu e foi para casa a pé me xingando de tudo quanto é nome.
Dei uma passada na mesma noite na casa dele, e a esposa me contou que ele estava ao lado da piscina já tinha umas horas. Fui ter com o Phillip, aquilo era muito estranho. Ele estava sentado na beira da piscina, com os pés na água. Perguntei o que ele estava fazendo lá e ele me disse que dali ele conseguia ver o lago Hali. Que diabos ele estava dizendo? Moramos a quilômetros do lago mais próximo. Além disso eu nunca ouvi falar desse aí.
Mas, por sorte, ele não estava violento, consegui tirá-lo da beira da piscina e ele me acompanhou até o quarto dele, onde eu consegui colocá-lo para dormir. A esposa dele começou a chorar e me perguntou se ele tinha voltado a usar drogas. Eu disse que não sabia, mas que também não vira ele aplicar, fumar ou cheirar nada. Ela me contou que durante a tarde ele havia pedido-a para procurar uma casa para se mudarem, ela anotou o nome da cidade que ele pediu para ela procurar. Me mostrou até o papel, o nome da cidade era Carcosa. Outra coisa estranha porque essa cidade simplesmente não existe nos Estados Unidos. Ela me contou que pesquisou até mesmo na internet e não encontrou nada. O Phillip ficou balbuciando na cama e eu deixei-o lá com sua mulher.
Ao passar pela sala, para ir embora, vi o terrível manto amarelo, sobrado em cima do sofá. Novamente a máscara em cima da mesa de centro, ao lado do livro. Aproveitei a inconsciência do Phillip e levei o livro comigo. Estava na hora de entender o fascínio que aquilo parecia exercer no meu amigo.
Não consegui ler nada. Não havia frase ou palavra ali que fosse de algum sentido para mim. Muitos desenhos, figuras geométricas estranhas demais, alguns rascunhos aparentemente arcaicos, eram desenhos de coisas que eu não sei explicar, uns bichos estranhos, cheios de olhos, misturas de cabritos com lulas, sei lá dizer o que era aquilo, mas um desenho me chamou atenção. Nele dava para identificar claramente que era um homem nu, a beira de um lago. Ele segurava pedaços de gente com as mãos erguidas, atrás deles haviam cabeças de pessoas e mais pedaços espalhados. Engraçado como eles desenhavam essas coisas antigamente, talvez os artistas não soubessem realmente como as pessoas eram por dentro ainda. Na frente do assassino, uma figura aterradora. Era uma figura encapuzada, que flutuava no ar, ela tinha um braço esquelético e o que parecia ser uma mão disforme se aproximava da testa do matador. Aquele fantasma flutuante possuía uma máscara. Sim, uma máscara muito parecida com aquela que o maluco usava. Um manto em farrapos, idêntico ao que Phillip estava guardando em casa. Fechei o livro tarde da noite e não consegui dormir. Eu não sou tão impressionável a ponto de acreditar nessas coisas, mas algo estava acontecendo. Sentia isso no ar.
Já que não havia nada escrito que eu pudesse compreender fui pesquisar o símbolo da capa. Era um sinal amarelo então procurei por isso na internet. Achei muitas coisas mas nada de útil, até que encontrei um site de ocultismo e nele falava alguma coisa, inclusive havia um desenho idêntico ao sinal da capa do livro.
Para dizer a verdade, achei tudo uma idiotice sem fim. Dizia se tratar do símbolo do Rei em Amarelo, ou coisa parecida, e que era usado para invocar um antigo deus que vivia nos confins da constelação de touro e que era perigoso demais para um ocultista comum invocar.
Besteiras dessa que ficam na cabeça de gente como o turco assassino e os fazem cometer essas loucuras de sacrifícios e rituais malditos.
Na manhã seguinte o Phillip não foi trabalhar. A esposa dele ligara para avisar que ele estava com febre, delirando na cama. Pensei em ir visitá-lo, mas a idéia que eu tive ,talvez, ajudasse mais. Como o maldito assassino dos garotos era Turco, talvez o Senhor Hashid tivesse alguma idéia do que estava acontecendo. Entrei na sua lanchonete, ele me recebeu sorridente e agradecendo por eu ter matado o maluco que trucidara o Carlos e os outros garotos latinos. Eu não perdi tempo e mostrei para ele o livro que eu peguei de Phillip e o Senhor Hashid emudeceu, expliquei rapidamente o que estava acontecendo com meu amigo e tudo o que ele fez foi me mandar embora da lanchonete. Tentei até mesmo usar do meu poder policial para que ele me dissesse o que sabia, mas foi em vão. Ele disse que preferia que eu o matasse a ele se envolver com o livro. Disse que se eu queria mesmo ajudar ao Phillip que eu desse um tiro em sua cabeça o mais rápido possível. Depois que me tirou de lá de dentro ele trocou a placa para "fechado".
Isso só deixou as coisas mais confusas para mim. Voltei para a viatura e comecei a dirigir na direção da casa do Phillip, quando meu celular tocou. Era a esposa dele me contando que ele despertara de repente e saiu ensandecido a procura do livro. Eu disse que iria procurar por ele e desliguei o aparelho, mas não foi preciso andar muito, na esquina seguinte ele apareceu, de pijama, bem na minha frente, quase que eu o atropelo. Assim que eu parei ele sacou a arma e começou a atirar em mim. Parece loucura, mas é verdade. Ele gritava perguntando do livro, eu só tive tempo de me abaixar, abri a porta do carro e corri para trás da viatura, o desgraçado continuou atirando e acertou meu braço de raspão. Quando ele foi atrás de mim, eu estava agachado, protegido pela traseira do carro e assim que vi suas pernas, apliquei uma rasteira que o fez cair na hora. Tomei sua arma e soquei seu rosto diversas vezes, até que desmaiou. Eu não estava acreditando naquilo! O Phillip enlouquecera de vez! Ele tentou me matar! Diversos pensamentos passavam pela minha cabeça, até mesmo a vontade de acabar com a vida dele ali mesmo. Mas eu não estava tão maluco assim, tinha esperança de que ele estaria passando por alguma coisa que o deixara daquele jeito, eu só não sabia o que era.
Coloquei-o desacordado na viatura e o levei para sua casa. A mulher dele me recebeu aos prantos, seu casal de filhos não entendia nada. Deixei ele no sofá e pedi para que cuidassem dele. Pedia a ela suas armas, inclusive as frias. Ela me mostrou onde ele as guardava e me entregou todas. Pedi para ela me ligar assim que ele acordasse. Deixei o livro ali para ele não sair por aí como um louco novamente,além disso aquilo me parecia inútil naquela hora. Fui para casa cuidar da minha ferida e pensar no que faria para ajudá-lo. Sabem como são os amigos, não? Não reportei o incidente porque acreditava que poderia resolver tudo sem prejudicá-lo. Eu sabia que o Phillip era meio desajustado, um pilantra, mas nunca seria de agir desse jeito se não estivesse com a razão abalada.
Logo que anoiteceu, meu celular tocou novamente, dessa vez era o Phillip. Ele se desculpou comigo, e disse que agora estava tudo resolvido na cabeça dele, que ele tinha ajeitado as coisas. Me pediu para ir lá porque, como eu era seu melhor amigo, ele queria muito me mostrar uma coisa.
Eu pensei que o pesadelo da loucura dele tinha acabado, e fui lá pronto para conversar com Phillip e ter meu parceiro de volta. Cheguei na casa dele e as luzes estavam todas apagadas. Procurei por ele mas não havia ninguém. Foi quando eu resolvi ir até o quintal.
Puta que pariu, eu perdi a força nas pernas. Aquilo me chocou mais do que o caso da Rua 5. Pedaços dos filhos dele espalhados pela grama, o sangue enegrecendo o caminho até a piscina. Mais a frente era a esposa dele que tinha seus braços, pernas, órgãos, espalhados de maneira desleixada. Eu via tudo através da luz da lua. Fazia frio e a água da piscina aquecida criava um nevoeiro que deixou a cena mais assustadora ainda. Eu vi o Phillip, vestindo o robe amarelo, segurando em ambas as mãos as cabeças dos seus filhos e da sua esposa. Ele estava cantando em alguma língua que eu não conhecia. Eu tremia tanto, mas mesmo assim continuava na direção dele. Quando ele ouviu meus passos ele se virou para mim. Eu vi a tenebrosa máscara sem expressão, Os trapos do capuz ao vento se juntando com os fiapos de sangue que ainda caiam dos pescoços da sua família. Ele disse que estava feliz por eu vir, que ele tinha algo para me mostrar. Continuou cantando até que arremessou a cabeça deles na água. Eu aproveitei e corri na direção dele. Joguei meu ombro nas suas costelas e rolamos pelo chão. Eu o venci rapidamente, ele não era tão hábil em lutas quanto eu. Novamente o desacordei. Removi a máscara e seus olhos arregalados me lembraram os do turco assassino. Saquei minha arma e apontei para a cabeça dele por alguns segundos. Estava prestes a acabar com aquilo tudo logo de uma vez. Como o Senhor Hashid disse, matá-lo seria a única coisa que poderia ajudar. Nessa hora eu vi o livro na beirada da piscina, junto dele um facão ensangüentado. Tudo girava na minha cabeça feito um furacão de idéias. Até agora estou confuso. Eu não tive coragem de matar o Phillip, apenas tirei aquele manto amarelo esfarrapado, ele estava sem roupa nenhuma por baixo. A primeira coisa que eu pensei em fazer foi me livrar daquilo. Juntei a máscara, o livro e o manto e ateei fogo. Fiquei sentado até me certificar de que aqueles objetos miseráveis viraram um amontoado de cinzas. Posso não ter feito a coisa certa, deveria ter ligado para a central, mas vocês ficariam tão perdidos quanto eu se passassem por algo parecido.
Eu não sei dizer quantas horas fiquei parado observando as chamas, logo a frente eu vi os restos dos filhos e da esposa de Phillip, meu amigo acabara com a vida dele por um motivo que nem eu sabia. Até que me lembrei da ilustração que eu observei no livro na hora em que eu o vi recobrar a consciência. Ele se ajoelhou no mesmo lugar onde eu o deixei, a névoa da piscina ficara mais densa, talvez por causa do frio da madrugada. Eu não fiz nada porque eu queria entender o que ele estava fazendo. O desgraçado começou a cantar novamente, ele levantou as mãos ao alto, praticamente gritando naquela língua estranha. Eu me levantei devagar e fui tirar ele dali, agora era hora de levá-lo para o distrito. Iria prender meu melhor amigo que enlouquecera do nada. Esquartejara sua família e jogara suas cabeças na piscina aquecida de onde saia uma neblina brilhante. Eu não me lembrava do Phillip ter tanta iluminação perto da piscina. Foi aí que eu vi. No meio da neblina eu vi algo se aproximando do Phillip. Alguma coisa estendendo a mão na direção da testa dele. Eu corri na direção dele e vi que não era mão alguma, era alguma geléia escura e translúcida, de onde saíam dedos disformes, eu puxei o Phillip que gritava enlouquecido. Corri de lá arrastando-o o mais rápido que pude. Meu coração parecia sair pela boca. Eu hesitei em olhar para trás, mas ao virar pela lateral da casa, não pude evitar de ver aquilo que estendia sua mão na direção do meu amigo. Era o manto amarelo, seus fiapos se moviam como se fosse alguma coisa viva. Por baixo do capuz a mesma máscara que eu queimara junto do livro e da vestimenta fantasmagórica.
Segurei meu amigo que se debatia e gritava, coloquei-o no banco de trás da viatura e corri para a delegacia. E agora ele está ali, nu, trancado, gritando nomes que não reconheço, falando coisas que talvez só façam sentido a sua mente transtornada. Eu não sei o que aconteceu com ele, mas ainda bem que eu decidi digitar tudo o que aconteceu, assim eu consegui me acalmar e perceber que aquela coisa que saiu da neblina era a mesma da ilustração do livro misterioso. Ou pode ser que eu apenas esteja impressionado e transtornado com tudo que vi.
Estranho que o Phillip parou de gritar agora a pouco, eu consigo ouví-lo cantar novamente. Vou verificar o que ele está fazendo.

Eu estou rindo comigo mesmo porque eu não consigo reagir de outra forma. Eu acendi minha lanterna e vi o Phillip ajoelhado no chão da sala de interrogatórios, com os braços erguidos, eu o chamei, mas ele não respondeu. Ele estava virado para um canto escuro e eu apontei minha lanterna para lá. Puta que pariu, o manto amarelo estava ali, flutuando na direção dele. A máscara sem expressão estava onde deveria ser o rosto da coisa, agora não há dúvidas. Eu não consegui desligar a lanterna. Acompanhei a figura se aproximar dele, ela estendeu seu braço e novamente aquela geléia sem forma imitava uma mão. Phillip cantava cada vez mais alto até que aquilo tocou sua testa. O que eu vi me fez jogar a lanterna longe e eu corri para cá novamente. O corpo do Phillip explodiu e seu sangue se espalhou como um balde de tinta vermelha sendo girado la dentro. Eu vi pedaços do seu rosto e vi seu olho se estatelarem no vidro por onde eu observei tudo.
Eu não sei porque continuo escrevendo, acho que isso me ajuda não me sentir sozinho. Eu não tenho coragem para me levantar e sair da sala, ou mesmo ir até o interruptor acender a luz. Tenho medo do que possa estar lá.
Acabei de ver aqui na parede em frente. Eu estava com a cabeça abaixada, na direção do monitor do laptop, mas meu campo de visão me permitiu ver os fiapos do manto amarelo. Eles se mexem como se ventasse em todas as direções aqui dentro. Parecem minhocas finíssimas, se debatendo em um anzol. Quanto mais ele se aproxima de mim mais eu vejo que o manto se parece com um amontoado de vermes finos. A coisa está falando comigo, mas não é som, ela sussurra algo na minha mente e eu não consigo evitar. Ela me pergunta se eu sou seu avatar. Eu não sei o que é isso, mas ela me pergunta se eu quero ser seu avatar. Se eu sou o avatar do rei. Ele me conta que veio de Carcosa, me fala de estrelas distantes e me fala do denso lago Hali. Eu não tenho coragem de levantar a cabeça, mas ele começa a se curvar em cima de mim, dá para ver um pedaço da sua máscara. Milhares de minhocas se debatem por trás da máscara e dentro do manto. Ele vai levantar o braço
vai tocar na minha testa, ele quer que eu diga o seu nome, mas eu nao entendo estou com medo, pai mae me perdoe eu amo todos voces o rei quer um avatar eu preciso dizer o nomede1123///á
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Ilustração: Celso Junior

19 de jan. de 2009

Conto: Ato de Caridade

Foi muito rápido, o caminhão apareceu do nada na estrada e eu só me lembro de guinar o volante com violência. Um clarão súbito e aqui estou. Sinto com perfeição a textura do lençol abaixo do meu corpo. Acho que visto algum tipo de avental. Estou respirando mas não é por vontade própria, é como se enfiassem ar dentro dos meus pulmões. Nenhum músculo meu se contrai a meu comando, por mais que eu tente. Não consigo falar, me mexer, abrir os olhos ou me expressar de qualquer maneira. Estou em algum ambiente iluminado pois percebo, além da pele das minhas pálpebras fechadas, grandes focos de luz perto de mim. Vejo vultos que passam na frente deles e ouço sua conversa. Ouço tudo muito bem.

"Ela está praticamente intacta, não fosse o cérebro". "Sofreu um corte na medula e uma concussão severa", "Parece não responder aos estímulos, entrou em processo de morte cerebral".

Como morte cerebral? Estou aqui pensando! Só não consigo mostrar isso. Senti-me aliviada quando alguém abriu meus olhos. Doeu um pouco o feixe de luz bem dentro da minha pupila, mas não consegui fechá-los novamente. Continuaram abertos, se acostumando com a luz até reconhecer uma equipe médica que corria de um lado para outro dentro da UTI de algum hospital.

"Acharam os documentos dela? Liguem para a família!", "Marcos, limpe a moça, troque-a e leve-a para a sala isolada no centro cirúrgico".

Talvez fossem me operar. Tentar descobrir porque é que eu não respondo ao mundo exterior. Será que isso é o coma? Ou é algo mais complexo? Dor? Sinto e muita. Depois do susto sinto cada pedaço do meu pé que quebrou, o pulsar incessante de dor que me avisa de que algo está errado no meu corpo. O respirar que a máquina me obriga a fazer me faz sentir as costelas cortando a carne dentro do meu peito. Os trancos que o enfermeiro dá na maca também me fazem sentir os braços e as costas doloridos. Não sei como eles não captam meus sinais, é tudo tão intenso. Horrivelmente intenso.

Meus olhos estão fixos no enfermeiro que fecha a porta atrás dele e acende as luzes de um quarto gélido e solitário. Ele meche em algum mecanismo que destrava meu colchão e ele coloca meu corpo sobre uma mesa fria. Ele tira minha roupa e eu só consigo perceber seu olhar nas vezes em que passa os rosto perto do alcance do meu olhar fixo.

Os tubos do aparelho que mantém meu respirar ainda estão ligados a mim, assim consigo ver o único movimento que meu corpo faz, o de inspiração e expiração a inflar e murchar meu peito. O peito que o enfermeiro se demora na hora de passar uma bucha com sabão. Agora ele nem bucha usa mais, ele esfrega e aperta com força os meus seios, como se eu não sentisse isso.

Queria gritar, chutar o saco desse filha da puta. Morder e arrancar essa orelha fedida quando ele começa a passar o rosto no meu peito e a beijar meu pescoço.

"Não vai dizer nada né sua vadia? Eu sei que não vai! Pode esperar, isso vai demorar muito!"

Ele abriu minhas pernas com força, elas cederam como se eu estivesse morta. Senti os ossos estalando e a musculatura enrijecida pelas horas imóveis. A dor foi tanta que senti meu coração acelerar. Podia vê-lo pulando no meu peito. O desgraçado me violentou olhando nos meus olhos estáticos. Depois ele saiu e entrou com seus colegas, que se aproveitaram do meu estado para conseguir o que nunca conseguiriam de mim em situações normais.

Nojentos! Sujos! Porcos miseráveis! Quando eu saísse dali eles iriam apodrecer para sempre na cadeia! Melhor, eu seria capaz de matá-los com minhas próprias mãos tanto ódio que eu senti. Tamanha dor que me causaram, tamanha vergonha a que me sujeitaram.

"Como ela está quente! Nem parece que está morrendo","É muito melhor fuder uma assim do que as que já morreram", "Ainda bem que me transferiram pra cá! As do necrotério são muito frígidas! Há,há, há!"

Não sei dizer quanto tempo aquilo durou. Depois me vestiram novamente e tentaram fechar meus olhos, mas minhas pálpebras não cediam. Eu não queria que elas cedessem, precisava encarar esses miseráveis e marcar bem seus rostos. Isso não ficaria assim.

Me levaram a outra sala, melhor iluminada. Minha visão começou a ficar turva porque o ardor dos olhos abertos abertos começou a dar lugar a uma angústia incontrolável de não conseguir fechá-los para que não secassem, isso fazia lágrimas escorrerem pelos cantos, podia sentir.

“Ei, vamos lubrificar esses olhos, as pálpebras não se fecham”. Uns instantes de alívio, até que percebi que colocaram algum tipo de tubo que passou a pingar um líquido de tempos em tempos. Horas se passaram até que comecei a ouvir pessoas chorando. Alguém chegou do meu lado. Era a minha mãe. Eu queria dizer para ela que estava tudo bem, que era para que parasse de chorar, mas, ainda não era capaz de reagir. Ela apertou a minha mão, eu pude sentir seu calor e a tremedeira, entregando o seu estado de nervos. Engraçado é que eu deveria estar tremendo também, pois aquele enfermeiro miserável foi consolar minha mãe. Eu daria tudo para enfiar uma faca na garganta desse cretino, mas nada do meu corpo responder à minha mente. Meu pai afastou-a de perto de mim, ele também estava chorando. Pude ouvir o lamento deles: “Coitadinha, ela só tem vinte anos”,”Acabou de se formar”,”Ela é tão linda”,”Oh, minha filha”.

Depois, o silêncio.

O gotejar do colírio não parava e foi única coisa que eu escutei por muito tempo. Não sentia sono ou cansaço, e me corpo parecia formigar, principalmente nas regiões onde mais sentia dor, até que eles apareceram novamente. Todos que conseguia ver estavam de máscara, se preparavam para alguma coisa. Muito provavelmente para me operar.

“O que os exames dizem?”,”Confirmam, doutor”,”Dupla confirmação?”,”Tripla”. “Certo, injetem 20ml de adrenalina para não corrermos o risco da circulação parar durante a operação”.

Conectaram uns fios no meu peito e a máquina passou a acompanhar meus batimentos cardíacos, fazendo aquele “bip” tão característico. Vi e senti aplicarem uma injeção bem no meu tórax.

“Vamos começar extraindo as córneas, antes que se danifiquem. Quem abriu os olhos da moça?”

Meu coração acelerou e pude ouvir os “bips” ficando cada vez mais rápidos.

“Toda vez que eu faço isso eu fico pensando no que eles sentem”,”Ele não sentem nada, o cérebro morreu.”,”O coração acelerou!”,”Foi a adrenalina, querida, agora me dê o bisturi, essa moça vai ajudar a muita gente em seu último ato de caridade.”

Boneco de Livro - É fácil com o BrOffice

Olá pessoal!
Gostaria de compartilhar com vocês o uso que eu faço do BrOffice (OpenOffice) para imprimir meus livros em casa.
Muita gente detesta ler no monitor do computador, portanto, nada mais interessante do que configurar corretamente seu texto para que ele posse ser impresso corretamente e lido como um livro.
Existem diversas formas, vamos começar com a mais fácil: Impressão Frente e Verso.


O conceito é simples e as vantagens são claras. Gastar menos papel e conseguir visualizar a impressão nos dois lados da folha, além gastar menos com cola ou grampos depois.
Até aí não existe muita coisa a se configurar no seu programa de processamento de textos a não ser o formato da página, as marges, o cabaçalho e o rodapé. No BrOffice basta selecionar o menu Formatar>Página que o usuário tem acesso a todas as opções.
Caso você queira ter margens assimétricas. lembre-se de definir o Layout de Página como "Espelhado".
No cabeçalho e rodapé geralmente aparecem o título, nome do capítulo e número da página etc...
Isso parece ser simples, mas confunde a cabeça de muita gente na hora de imprimir frente e verso. No nosso padrão ocidental, as páginas Ímpares têm o alceamento (colagem, grampo, aplicação de capa etc...) no seu lado esquerdo, enquanto as páginas Pares tem do seu lado direito. Isso determina por exemplo o fato das margens assimétricas serem espelhadas, porque a página par ficaria nas "costas" da página Ímpar.
Na hora de imprimir, você precisa prestar atenção ao sentido de alimentação de papel da sua impressora.
Existem dois casos clássicos:

O Papel é alimentado por cima, puxado pelo carro e o lado em que o papel se encontra é o lado impresso:




O Papel é alimentado por baixo, puxado pelo carro e girado para voltar a bandeija, sendo impresso pelas costas.



Fazendo um Boneco com "lombada quadrada"

Nos dois casos, antes de tudo você precisa deixar o papel já no formato final. ou seja, exatamente do tamanho da página que você determinou. Se você prefere imprimir a página em A4, (210x297) não precisa fazer nada, mas geralmente os livros são impressos em um formato que se aproxima do A5 (148x210), portanto, seria MUITO interesassante se você formatasse o seu projeto já no formato A5. Sugiro uma configuração de marges espelhadas com: Interna=2cm ,Externa = 1,5cm, Superior=1,5cm e Inferior=1,5cm. Configure também 0,5cm de Cabeçalho e 0,5cm de Rodapé, para colocar número de páginas, nome de capítulo etc... Esses valores poderiam mudar conforme a família e tamanho de fonte que você utilizar, mas deixo essa informação para um próximo tutorial.

Mas porque configurar em A5 se o papel sulfite que eu tenho em casa é A4?

Simples, porque voce pode, antes de imprimir, cortas as folhas ao meio, com a ajuda de uma guilhotinha, e não precisa ser uma guilhotina industrial não, pode ser uma daquelas de escritório, com capacidade para 30, 50 folhas.
Se você cortar, digamos, 50 folhas A4 ao meio, você terá 100 folhas A5, como imprimiremos frente e verso, então temos, traquilamente, um boneco de 200 páginas.
Na hora de imprimir, seleciona primeiro apenas as páginas ímpares, depois que todo o conjunto for impresso, você imprimirá as páginas pares, exatamente nas costas das páginas ímpares, ficando 1-2, 3-4, 5-6... etc...
Você poderia mandar imprimir normalmente e alimentar a impressora folha a folha mas a tarefa é tediosa demais e somente deve ser utilizada caso a sua impressora costume a atolar papel no cilindro, ou a puxar duas ou mais folhas por vez, inviabilizando a impressão frente-verso.
No BrOffice o que você precisa fazer é clicar em Opções no menu de impressão, lá você deixa selecionado apenas "Páginas a Esquerda" para imprimir as ímpares e "Páginas a Direita" para imprimir as pares.





Para que tudo funcione corretamente, veja o esquema para imprimir primeiro as páginas ímpares em uma impressora com alimentação pela bandeja superior

As folhas são alimentadas e impressas sem girarem pelo cilindro, assim, o bloco é impresso exatamente onde está, deixe as folhas na bandeja de recepção até a impressão acabar. Neste exemplo imprimimos um boneco de apenas 6 páginas.

Importante! Ajuste bem a guia do papel na bandeja de alimentação para que ele não fique torto na hora de imprimir!

Agora, tudo o que você pecisa fazer é pegar o todo o bloco, do jeito que está, e girá-lo de cabeça para baixo, colocando-o na bandeja da impressora, fazendo com que as costas da página 1 seja a primeira a ser impressa.

Agora mande imprimir as páginas pares e veja o resultado.


O bloco está prontinho para receber o acabamento em lombada quadrada, sendo colagem, costura ou grampeamento. Ele pode inclusive ir para uma máquina de Hotmelt para aplicação de capa ou receber a capa manualmente, mas essa parte do acabamento vou esmiuçar em um próximo tutorial.

Para impressoras com a alimentação pela bandeja inferior, a coisa complica um pouco, porque quando ela deixa as páginas na bandeja, é necessário deixá-las de volta sem girar a folha, porque como as folhas são impressas pelo lado inverso (a folha gira no cilindro) é preciso que todo o bloco volte para a bandeja do jeito que está, somente tomando cuidado de deixar o bloco de cabeça para baixo. Assim você imprime as páginas ímpares normalmente, mas inverte a ordem de impressão das páginas pares (selecione "invertido" no menu opções de impressão ao imprimir as páginas pares).

Veja o bloco de 3 folhas com as páginas 1,3 e 5. A página 5 é a que está no topo do bloco, portanto, a página 6 é quem precisa ser impressa em suas costas.



Por isso é necessário inverter a ordem de impressão das páginas pares. Ao fim da impressão será necessário arrumar o lado das folhas, porque elas se tornam 2-1, 4-3, 6-5 ao invés da ordem correta de leitura, que seria 1-2, 3-4, 5-6, isso poderia ser resolvido invertendo a ordem de impressão das páginas ímpares ao invés das pares, porém, esse tipo de impressora costuma a apresentar muito atolamento de papel ou alimentação de mais de uma página por vez, portanto, é muito fácil se perder quando esse problema ocorre e as páginas são impressas de trás para frente, mas fica ao gosto do freguês e à confiança que ele tem em seu equipamento.


Fazendo um Boneco em Brochura

Essa talvez seja uma opção mais clássica, 2 páginas são impressas de cada lado da folha, elas são dobradas ao meio e "encanoadas" umas sobre as outras para receber o grampeamento.
Pois bem, essa seria uma boa opção para a produção de um boneco com no máximo 50 ou 60 páginas, já que a "encanoamento" de folha sobre folha causa um deslocamento no lado oposto da dobra, fazendo com que o bloco necessite de um refile para que o boneco fique fácil de folhear.
Mesmo com essas limitações, esse pode ser um processo interessante, dependendo do caso.
Para tanto, basta selecionar a opção Folheto, com as páginas da direita e da esquerda selecionadas (pares e ímpares) mas na hora de imprimir, escolha a impressora de PDF, padrão do BROffice, ele aparece no menu de impressão como Conversor de PDF.
Com o PDF em mãos (ele salva um arquivo do mesmo nome do documento, no mesmo diretório, mas com extensão PDF).
Abra-o no seu leitor de pdf predileto e imprima-o, agora sim, selecionando imprimir primeiro as páginas ímpares, depois as páginas pares. Seguindo as mesmas orientações descritas acima.
Ao orientar como folheto, o BrOffice coloca 2 páginas por lado de folha, posicionando-as de modo que ao dobrar e "encanoar" uma folha sobre a outra, o sentido de leitura fica correto, nu m exemplo de 8 páginas, as folhas ficam como 8-1, 2-7, 6-3 e 4-5.
Outro incoveniente é que é necessário que as páginas sejam múltiplas de 4 para que não sobre páginas em branco no fim, ou seja, blocos com 4, 8, 12, 16 etc...
Esse modo é mais complicado de se obter resultados e, pior, caso algo saia errado, só será percebido depois de impresso.

Bom, esse foi o tutorial sobre impressão frente-verso, em impressoras caseiras, para bonecos de livro usando o BrOffice, espero que seja útil de alguma maneira e nos vemos no próximo tutorial

^^v


Conto: O Mestre e a Vaca na Colina

Nuvens. Como poderiam os homens tocá-las? Do que seriam elas feitas?

- Ah, esses deuses caprichosos.

Assim pensava Lei, antes de tropeçar da pedra que seu mestre lhe avisou para tomar cuidado. As nuvens devem ser feitas de sonhos, por isso Lei se sentiu tão avoado naquela hora, pelo menos é nisso que ele se apoiava para convencer o homem grande e forte que enfaixava seu tornozelo.
Há muito eles caminhavam juntos. Lei sequer sabia seu nome. Não ousou perguntar e nem mesmo houve demonstração de que ele quisesse que Lei o soubesse. Apenas um olhar seco e distante. Um pouco de água para aquela criança que errava pelo vilarejo semi-abandonado. Salteadores haviam posto fogo em tudo. Matado os homens, os idosos. Seqüestrado as mulheres e feito as crianças como mercadoria para barganha. Lei também não sabia de onde ele veio, nem para onde o estava levando.
O manto sujo anunciava que já era hora deles pararem na margem de algum rio para fazer a limpeza do corpo e das roupas.

- Mestre, de onde vem esse rio? Digo a água dele.

- Interessante. Por que o pequeno Lei sempre questiona sobre as coisas grandes? Nunca pára e se questiona de onde vem a água dele mesmo quando urina.

Lei não obtinha respostas muito diretas de seu mestre. Talvez essa fosse a função deles. Dar respostas que não diziam nada, para fazer o discípulo questionar corretamente.

- Quando conseguimos elaborar a pergunta certa, é porque ela é tão perfeita que, sozinha, já dá a resposta.
Então Lei, mesmo sem respostas claras e nem se preocupando muito com o seu xixi, seguia o mestre por onde quer que ele passasse. Vilarejos podiam ser hospitaleiros ou hostis, mas o mestre sempre arrumava uma maneira de encontrar abrigo e comida. Às vezes em troca de algum trabalho braçal. Coisa que Lei sempre detestou.
Conforme foi crescendo, Lei começou a se questionar do por que seguir aquele homem. Seus passos levariam a qual caminho?

- O pequeno Lei está ficando grande, não está? Poderia socar esse arroz com mais força, não?

- Eu não gosto de socar arroz. Deveríamos ter partido! O dono da casa disse que o senhor não precisava retribuir.

- Não mesmo? Hm... Que bom! Então continue aqui que eu vou tirar um cochilo.

- Espere mestre! Como assim?!


- Eu não comi nada, por isso não preciso retribuir mesmo. Mas você abriu meus olhos! Termine logo para partirmos.

Talvez Lei não fosse tão mais criança para contemplar as ações do seu tutor de maneira tão inquestionável. As marcas e as atitudes da adolescência já borbulhavam dentro do pequeno homem, como o peixe que cozinhava na panela.

- Quero aprender a lutar!

O mestre continuava mexendo o ensopado.

- Para quê?

- Para me defender!

Mais algumas ervas e uma provada do caldo quente.

- Hm... Está ficando muito bom.

- Eu vou me tornar um homem! Preciso ser forte!

- É mesmo? Então prove do meu ensopado!

- Você não entendeu mestre? Preciso aprender a lutar!

O mestre decide dar atenção.

- Entendi. Você pretende me derrotar. Ser forte o suficiente para me superar!

- É claro que não mestre! Nunca pensaria nisso!

- Ah, então não tem porque te ensinar a lutar. Coma sua sopa.

Lei era tomado por pensamentos diversos e, às vezes, conflitantes. Queria abandonar seu mestre. Talvez arrumar um emprego em algum dos vilarejos por onde passavam diariamente, mas deixar seu mestre parecia algo terrível demais para o menino que ainda habitava o rapaz.
Numa dessas vilas, saqueadores, presença recorrente nessa época de caos, chegaram no momento em que o mestre e seu jovem aluno deixavam o local.

- Ei você de chapéu! Saia do meu caminho.

O mestre nada respondeu, mas também não se mobilizou pela ordem.
- É surdo seu bastardo? Quer perder a cabeça?!

O grupo de cinco homens sujos, montados em cavalos maltratados, se divertia enquanto aterrorizava os vilarejos pelos quais passavam, espalhando sangue e medo.


A lâmina da foice apontada contra o rosto não foi suficiente. O olhar sereno e penetrante aos poucos destruía a fúria ignorante do cavaleiro. O cavaleiro fora um nobre guerreiro antes, mas isso não valeu de nada quando o trono do seu mestre foi usurpado. Era um foragido. Fome, frio, medo, ódio, indignação pela própria condição de pária. Tudo misturado em uma única manifestação bruta de violência, anulada por um espírito maior.

- Tsc. Vamos embora!

- O quê?! Chefe!

- Cale a boca e vamos!

Depois que os bandidos fugiram o mestre tornou a caminhar calmamente, mas não sem a tagarelice do seu aluno.

- Mestre, o que foi isso?

- Eles queriam luta. Eu não.

- Mas, eu não entendo! Eram em maior número! Eram mais fortes e estavam armados.

- Sem espírito. Corpos sem espírito nunca venceriam um guerreiro. Pelo menos um deles ainda possuía alguma coisa dentro de si, por isso fugiu.
Afastados da entrada da vila os cavaleiros seguem seu líder, que tira da sua montaria forças que quase não tem para deixar o local rapidamente.
Em outras épocas eles eram mestre e discípulo, e o cavaleiro também insistia em aprender a lutar.
O mestre caminhando com seu jovem pupilo se lembrara dele também, mas, no inferno daqueles tempos vidas já não valem muito, tão pouco laços de amizade há tanto abandonados.
As estações passavam cada vez mais depressa para os dois companheiros. A confiança de Lei em seu mestre aumentara um pouco por conta do caso dos salteadores. E isso foi reforçado pelos movimentos que ele, finalmente, decidiu demonstrar. A empolgação de Lei ao perceber que poderia quebrar pedaços de maneira e pequenas pedras era tratada com total apatia pelo mestre.

- São só pedaços de madeira e de pedra, Lei.

- Mas elas são resistentes! E eu consigo quebrá-las. Estou me tornando forte!

- Lei, se você conseguisse quebrar o curso de um rio, eu ficaria verdadeiramente surpreso.

Entre andanças e ensinamentos, Lei e seu mestre passaram por um campo, aparentemente, abandonado. O local poderia ser confundido com cemitério, tamanho número de animais mortos espalhados pela terra árida, sem vida. Tudo não fosse uma pequena construção de madeira e palha e uma magra e deprimente vaca presa ao chão com uma pequena corda de sisal.
O mestre observa ao longe e resolve mudar sua rota descendo a íngreme encosta ao invés de continuar pela trilha original. Ele é acompanhado pelo aluno, mesmo Lei estando confuso sobre o que seu mestre poderia querer ali.

De perto o cenário de desolação e abandono era ainda pior. O mestre bate a porta da pobre construção, de onde um cheiro fétido e acre de sujeira humana quase faz Lei decidir ficar do lado de fora.

- Olá! Sou um andarilho. Este é o meu discípulo. Procuramos por abrigo e comida.

Lei fica assombrado com a investida do mestre. Ela era igual a todas as outras, não fosse o fato de terem, há poucas horas, saído de uma estalagem, bem descansados e alimentados
.
- Ora, mas é claro viajantes! Entrem.

Os donos da casa estavam em um estado tão lastimável que era mais fácil os dois andarilhos terem alguma coisa a oferecer do que eles. Lei tenta questionar seu mestre com o olhar, o que é nitidamente ignorado. Os hóspedes são acolhidos com carinho e festividade dentro da casa.

- Sabe, não costumamos receber visitas, aqui é um local abandonado pelos deuses.

- Sim, mas por piedade ainda temos um pouco, e não nos censuramos de dividir com quem também necessita.

- Ficamos muito gratos pela sua hospitalidade.

As crianças esqueléticas causam muita pena a Lei, são várias, uma delas está deitada em algumas palhas espalhadas pelo chão grudento de madeira podre. Seus olhos fundos e perdidos demonstram se tratar de uma criança muito doente.
Lei pensa em abrir sua bolsa para pegar algumas ervas e, com elas, tentar produzir algum medicamento, coisa que o mestre havia, habilmente, lhe ensinado a fazer. Os segredos da cura estavam começando a ser desvendados por Lei, porém o mestre, discretamente, lhe segurou o punho, o jovem não conseguia soltar-se de jeito nenhum, embora o mestre continuasse conversando calorosamente com os donos da casa.
Lei se desespera, mas não há nada que consiga fazer para cumprir seu intento. Não tornara-se forte o suficiente para tal feito.

- Bem, infelizmente, temos muito pouco, como vocês devem ter percebido, essas terras são amaldiçoadas, nada consegue crescer aqui. Demônios rondam essas bandas.

- Sim e todos invocados pelo vilarejo do lado! Tudo porque nossas criações eram mais fortes e mais belas. Porque nossas plantações cresciam o ano todo!

- Tudo o que nos restou foi essa vaca, ela nos fornece a única comida que podemos ter. O Leite.

- Aceitamos um copo de leite de bom grado então.

O mestre se curva com reverência, e obriga Lei a fazer o mesmo gesto.
Eles bebem do leite servido, enquanto as crianças magras salivam os goles potentes que o mestre dá no jarro. Lei mal consegue colocar a caneca na boca, enquanto seu mestre acaba com aquilo que o dono da vaca dizia ser tudo o que o animal consegue produzir durante dois dias.
Lei segura sua raiva contra seu mestre. Ele tenta oferecer sua caneca para as crianças, mas o mestre percebe e a toma de suas mãos, dando a última golada sedenta daquele precioso e escasso alimento da família.


O mestre pede licença para descansar, os donos oferecem suas camas de palha para o vil hóspede e seu aluno. Lei tenta negociar com o incompreensível tutor, mas quando da por si, o homem já está roncando como um porco.
Lei mal consegue pregar os olhos dentro daquele quarto. Ele cutuca seu mestre, sem conseguir acordá-lo a princípio. De tanto insistir, conseguiu fazer com que ele abrisse um dos olhos sonolentos.

- O que foi Lei?

- Por quê?! Por que está fazendo isso, mestre?

- Vá dormir Lei! Você precisa descansar! Amanhã temos trabalho a fazer.

- Trabalho?

- Sim, vamos ter um funeral.

O mestre acorda com o choro da família e do próprio Lei, que, no outro aposento consola a família pela morte da criança doente. Lei, ao perceber o mestre coçando a barriga e bocejando lhe direciona um olhar de assombro e ódio.
Eles embrulham a criança usando a cama onde ela tentava se recuperar. Lei chora de raiva a cada vez que seu olhar cruza com o do seu mestre. Como agradecimento pela hospitalidade eles se prontificaram a realizar todo o ritual fúnebre da pequeno falecida.
Quando o sol se pôs, depois que as cinzas da criança juntaram-se às carcaças dos animais e às plantas apodrecidas daquele campo esquecido pelos deuses, todos retornam para a velha casa, de onde os dois intrusos partem na calada da noite.

- Mestre? Por que estamos saindo escondidos?

- Silêncio!

O mestre se aproxima da única coisa que poderia garantir a sobrevivência da família. A última esperança dos moradores daquela casa apodrecida. O mestre remove a corda do chão e começa a guiar a vaca para longe.

- Ei mestre! Pare!

- Fica quieto!

- Não mestre, o que está fazendo agora?

- Se não fizer silêncio eu juro que seus dentes vão ficar exatamente como as pedras que você gosta de quebrar

A ameaça não surtiu efeito e Lei não agüenta mais tanta injustiça. Ele parte para cima do mestre usando o máximo do seu espírito e da sua força.
Subitamente, Lei é detido com um chute no meio do estômago, que o deixa no alto por alguns instantes tamanha força nas pernas que o mestre possui. Lei cospe um punhado de sangue antes de cair sem ar.

- Bom, se por um lado você é burro, pelo outro você é capaz de fazer seu espírito forte o suficiente para querer me matar. Então espere aqui que eu vou dar mais alimento para sua fúria.

Lei, imediatamente se lembra da conversa à beira de uma fogueira, há alguns anos.

“- Entendi. Você pretende me derrotar. Ser forte o suficiente para me superar!

- É claro que não mestre! Nunca pensaria nisso!
- Ah, então não tem porque te ensinar a lutar. Coma sua sopa.”

A impotência perante a situação deixa Lei em um estado de horror. O mestre se distancia em direção a uma íngreme colina de pedras pontiagudas.
Lei tenta gritar, mas o ar ainda não circula direito no o seu peito, isso faz com que ele se sinta dentro daqueles pesadelos onde nada pode ser feito. O som sai sussurrado demais para que alguém possa ouvir, Lei espera que seu apelo chegue ao seu mestre, mas sabe que, mesmo assim, seria inútil.

- Por favor, mestre... Pára... Não faz isso.

O mestre empurra a vaca, que não solta mugido algum enquanto seu corpo é rasgado e quebrado pelas pontiagudas e mortais rochas, dezenas de metros abaixo. Instantes depois uma chuva forte cai sobre Lei, fazendo com que a terra malcheirosa de morte e sofrimento se torne um verdadeiro lamaçal de putrefação e decadência. A figura sombria do mestre vem em sua direção. Assombrosa e terrível. Ele segura o corpo do incapacitado jovem nos ombros enquanto termina de se evadir do local, sem palavra, pena ou reconsideração. Lei desmaia segundos depois. Quando acorda, Lei percebe estar em um lugar escuro e úmido. Ao acostumar os olhos com a parca iluminação nota uma fogueira e uma panela, de onde sai um cheiro bem característico de...

- Ensopado de Peixe, Já estava na hora, Lei.

Lei pensa estar acordando de um terrível pesadelo, mas, no momento em que tenta erguer o tronco para se levantar, uma súbita pontada poderosa de dor faz com que solte um grito abafado. Lei tinha algumas costelas quebradas e a sensação dos ossos partidos dilacerando sua carne por cima dos pulmões é uma coisa que deixaria até um gigante imóvel.
- É bom você ficar parado. Enfaixei seu tronco e apliquei um emplastro. Vai ficar algumas semanas sem se mexer direito, é bom se acostumar.

- Por que fez aquilo mestre?

Embora até mesmo respirar seja doloroso demais, Lei junta tudo o que possui de energia para tentar compreender a atitude do seu tutor.

- Porque você pulou para cima de mim como um louco! Oras!

- Não... A família. Por que fez aquilo?

O terrível professor continua a mexer seu caldo.

- Por que não me deixou salvar a criança?

- Salvar? Ora, não é possível salvar um corpo cuja alma lutava para se libertar. A criança não tinha salvação.

- Você não me permitiu ao menos tentar.

- Essas ervas são caras e difíceis de encontrar. Não valeria a pena desperdiçá-las com uma criança moribunda.

Indignação também alimenta o espírito da cólera. Contra a insuportável dor, Lei vence ao conseguir se sentar e esbravejar.

- O quê?! Como pode dizer que a vida de uma criança não vale à pena?

- Hm... Falta sal.

- Você matou a única fonte de comida deles! Eles compartilharam com a gente tudo o que possuíam e você teve a coragem de matar o animal? Seria melhor tê-los assassinado ali mesmo! Qualquer coisa seria melhor do que morrer de fome!

- Lei, qualquer morte seria melhor do que viver daquele jeito. Amaldiçoando os deuses pela sua própria incompetência. Culpando os outros pela sua preguiça. Não fui eu ou você quem deixou a criança morrer. Foram eles.

- E, ao invés de ajudá-los, você os pune?

- Saiba que a justiça e o desígnio dos deuses deve vir aos homens através das mãos dos mestres. Se você acha que eles foram injustiçados então se torne forte o suficiente para vingá-los.

Em nenhum momento o mestre deixou de prestar atenção a sua sopa de peixe. Lei começa a sentir demais a conseqüência da afronta contra o que seu corpo lhe ordenava fazer. Perde a consciência, mas não antes de ouvir seu mestre comentando para si mesmo.

- Ah, agora está bom de sal.

Durante muitos dias não trocaram mais palavras. Lei acordava poucas vezes e sempre encontrava uma tigela com ensopado ou alguma outra comida perto de si. Do lado de fora da caverna, Lei notava seu mestre treinando movimentos em um campo verde. A estação parecia boa. Os golpes eram lentos e compassados. As folhas espalhadas pela terra nem ao menos se mexiam enquanto o mestre passeava suas pernas em uma dança belíssima de se observar. Mas Lei sabia que aqueles movimentos não tinham nada de suavidade. Eram golpes certeiros e mortais. Lei já viu certa vez quando seu mestre lhe demonstrara um chute ascendente. O golpe começava ainda no chão e se elevara muito alto, até o corpo ficar totalmente ereto e de cabeça para baixo. O arco de pedra perto do local onde o mestre estava lhe exibindo aquele movimento foi atingido pelo chute e totalmente destruído. Lei nunca imaginara que tamanha força física pudesse ser concentrada em um único ataque. O mestre lhe explicara que não era só o corpo que atacava, era também o espírito. Por isso da empolgação de Lei ao conseguir quebrar pedras pequenas e pedaços de madeira.
Com a chegada da estação fria Lei conseguia caminhar melhor e sua primeira ação ao deixar a gruta foi a de treinar sozinho seus próprios movimentos. Observara minuciosamente cada golpe. Cada seqüência. Cada contra-ataque simulado de seu mestre. E, mesmo em menor escala, devido à lenta recuperação dos ossos do seu tórax, conseguia reproduzi-los em uma crescente perfeição.
O mestre nada dizia quanto aos treinos solitários do rapaz. Apenas deixava Lei a vontade quando ele se dispunha a sair para treinar acomodando-se dentro da gruta e preparando seus ensopados. Aos poucos os movimentos de Lei tomavam forma, força e velocidade. Ele sentia a força retornar para seu espírito com cada vez mais plenitude, e não era apenas isso, Lei se sentia, também, mais forte do que seu mestre. Sabia que poderia tentar enfrentá-lo em breve. Tinha a juventude e o tempo ao seu lado e era sagaz o suficiente para esperar a hora certa.
Depois de muitas manhãs Lei se levanta e encontra seu mestre do lado de fora, olhando o sol nascendo e admirando os pássaros que cantavam em comemoração ao retorno do calor.

- É hora de partirmos Lei. Pegue suas coisas.

O mestre sorria para o jovem adulto. Lei pensou que talvez o mestre estivesse começando a respeitá-lo, ou melhor, a temê-lo. Por isso, talvez tentasse remediar as coisas para que a justiça dos deuses não fosse aplicada pelas mãos do seu aluno. Mas Lei não permitiria isso. O pesadelo da impiedosa história da vaca na colina ainda atormentava seu sono.


Dias de caminhada depois, Lei apenas ouvia a tagarelice do seu mestre contando sobre a paisagem, sobre as estradas repletas de pássaros e flores. Confessou que as flores sempre lhe foram uma paixão, especialmente as brancas que parecem uma penugem e esvoaçam ao menor movimento, espalhando suas sementes pelos campos.
No meio do caminho, um bando de assaltantes aparece de repente. Esse grupo está sem cavalos, mas parece ser em bem maior número do que o daquela vila, a tantos anos de andanças afastada.
Eles mandam os dois pararem e apenas o mestre obedece. O aluno se coloca corajosamente à frente e encara o suposto líder com arrogância.
Um dos homens pede ao mestre que lhe entregue seus pertences, o mestre sorri e, prontamente, começa a tirar sua bolsa das costas.
Lei não acredita no que vê e, numa questão de instantes, golpeia o ladrão diretamente na cabeça desprovida de cabelos, fazendo com que os dentes e a língua saltem e os olhos se esbugalhem para fora das órbitas. O corpo inerte do ladrão causa o grito de guerra dos bandidos que o acompanhavam. Lei, usando suas mãos desarmadas e seus pés descalços contra as espadas, foices e lanças dos seus inimigos, mata a todos.
O mestre apenas meneia a cabeça enquanto volta a guardar sua bolsa nas costas, e segue andando, desviando dos cadáveres dos assaltantes. Dezenas espalhados pela rua. Manchando as belas flores azuis que deviam ter acabado de florescer.

- Por que não fez nada?

- E para quê? Você se encarregou de tudo.

- E o que deveria ter feito, então?



- Você eu não sei, quanto a mim, não gosto de alimentar flores tão belas com sangue. Quem passar agora por aqui será assombrado por sentimentos de ódio, medo e vingança.

Lei nada responde. Apenas observa o sangue se acumulando e formando um rio em volta do caminho florido.
- Tudo o que você faz, ainda, é quebrar pedras e pedaços de madeira, Lei.

A terra vai ficando avermelhada enquanto absorve a espessa fonte vital dos homens mortos pelo rapaz.

- O caminho do aluno nunca é livre de erros. Somente a mim não cabe o luxo de cometer enganos. Venha. Precisamos enterrá-los.

Foram vários dias de caminhada em silêncio. Paradas em vilarejos novamente a procura de abrigo e comida, como sempre, em troca de trabalhos ou favores diversos. Lei, cada vez mais, se sentia caminhando ao lado de um estranho. Alguém cuja admiração já se perdera, principalmente, por causa de uma atitude bruta e ignorante contra uma família bondosa e inocente. Uma família vítima das circunstâncias do destino que teve um sofrimento derradeiro nas mãos do seu antigo mestre.
Há muito Lei já não mais se referia a ele como seu tutor. Aos poucos sentia que a hora da justiça dos deuses se aproximara, e, talvez tenha até tardado muito a chegar por hesitações covardes vindas do próprio rapaz. Quando eles entram em um campo aberto Lei se impressiona com a quantidade de flores espalhadas pela paisagem. A maior parte concentrada em uma área extensa, para onde o mestre começa a caminhar, seguido por Lei. Mais a frente Lei consegue ver uma casa aparentemente abandonada.

- Flores brancas. Feitas de penugem que voa ao menor vento. Perfeito.
O mestre tira sua bolsa das costas e se volta para Lei com um sorriso nos lábios.

- Um lugar perfeito para eu enterrar meu discípulo.

Lei fica petrificado com a declaração. Muitos pensamentos passam pela sua cabeça. Medo, insegurança. Mas Lei também aprendeu a controlar todos os sentimentos que atrapalham um guerreiro. Ele se esforça para focar seu verdadeiro inimigo, o qual se posiciona bem a sua frente, tendo uma faixa de sementes dos dentes-de-leão circundando seu corpo em uma espiral simbolizando a energia de seu espírito em sintonia com as flores.
O ex-aluno percebe o posicionamento do seu adversário e nota que ele pretende lutar com leveza, pois fica apoiado apenas em uma das pernas, talvez para não ferir as suas amadas flores.

- Se você ficar se preocupando com as flores, não vai conseguir me derrotar!

- Lei, Lei. Sempre avesso aos pequenos detalhes. Eu não conseguiria lutar em paz, se soubesse que iria machucar alguma flor tão delicada.


- COMO OUSA SE PREOCUPAR COM FLORES QUANDO ENTREGA PESSOAS INOCENTES À MORTE?

Lei arranca numa velocidade estupenda abrindo um caminho de nuvens de sementes flutuantes. O mestre o nota saltando por cima dele, numa investida bem parecida com a primeira, anos atrás.
O inimigo de Lei também salta e desfere o mesmo chute que outrora quebrou as costelas do seu ex-aluno, mas dessa vez o garoto estava preparado, gira o seu corpo no sentido contrário dando uma fortíssima cotovelada na direção do rosto do seu adversário, o qual, sem dificuldade alguma, defende usando somente alguns dedos.
Os dois caem ao chão. Lei meio desequilibrado. O ex-mestre totalmente centrado, usando apenas uma das pernas, tomando o cuidado de desviar dos delicados dentes-de-leão.
O forte oponente do jovem lutador salta na direção de Lei aproveitando que o garoto havia aberto uma clareira, onde não havia mais flores. Lei pula para trás sem saber ao certo o que ele pretendia. Porém o movimento não pára apenas com o salto. O grande homem desliza por cima das flores pisoteadas por Lei e estende uma das pernas numa velocidade fabulosa, alcançando o rapaz.
Lei percebe o golpe que seu antigo professor executaria, mas como ainda está saltando para trás, não tem muito que fazer.
Os braços do homem se posicionam rapidamente por baixo do próprio corpo e Lei consegue apenas ver as pernas dele ascendendo num ângulo reto, tendo o calcanhar esticado mirado no seu queixo.
Lei inclina a cabeça para trás. Ele precisava de apenas alguns milímetros para não ser decepado por aquele chute. Sim, Lei sabia que ele estava lutando a sério. Ele pôde apenas ver o pé do homem subir, quase resvalando no seu maxilar. Se tivesse acertado, não apenas seus dentes e os ossos do seu rosto teriam quebrado, sua cabeça inteira seria arrancada pelo golpe. Seguindo o chute, por pouco esquivado, Lei vê centenas de sementes da delicada flor subirem ao céu em um jato branco formado pelo vácuo.
Ele se recupera rapidamente e, enquanto o fantástico golpe do mestre ainda faz seu corpo subir, o aluno torce seu tronco para trás, gira, toma posição e, de imediato, transforma a força dos quadris em uma verdadeira alavanca que arremessa sua perna formando um chute frontal tão penetrante quanto uma lança.
Com o eixo ainda suspenso o mestre se surpreende com a rápida resposta de Lei e percebe que não é possível desviar do golpe dessa forma. Nota que ele desenvolveu uma forma de anular um dos seus mais poderosos movimentos. Tudo o que pode fazer é bloquear o golpe com um dos braços. O chute de Lei na direção do abdômen do seu ex-professor foi certeiro e efetivo. Seria mortal caso não fosse bloqueado, mas a defesa não foi suficiente para manter a enorme massa do mestre no lugar. Ele foi arremessado a muitos metros de distância pela força das pernas do rapaz. Lei não percebe, mas o mestre, enquanto tenta reencontrar seu ponto de equilibro antes de cair, esboça um sorriso de satisfação. O mestre cai novamente em pé usando apenas uma das pernas. O braço que defendeu o poderoso golpe de Lei está inutilizado e mesmo tendo se defendido de tamanha força, seqüelas internas começam a ser sentidas.

- Você se tornou muito forte Lei, preciso admitir.

Lei não demonstra contentamento com o elogio do seu inimigo. É a hora e vez de ele executar a justiça dos deuses. Os dois se posicionam e o vento volta a circular as sementes pelo ar. De uma maneira mais intensa agora, todas as pequenas penugens das flores começam a ser removidas e formam uma verdadeira nuvem. São tantas que fica até difícil Lei visualizar seu forte adversário. Era como se Lei estivesse preso em algum tipo de neblina.

- É bom prender sua respiração, meu pupilo. Se inalar muitas dessas sementes nascerá dentes-de-leão pela sua orelha.

- Não sou mais seu aluno! Se executar a justiça dos deuses e vingar os inocentes, então eu terei me tornado o mestre!

Lei tenta ouvir a resposta para conseguir localizar a posição daquele por quem já nutriu um sentimento puro, infantil e, naquela hora, tolo de paternidade.




- É engraçado ouvir isso de você Lei. Fico muito contente por ter chegado nesse estágio. Realmente não existe muita coisa que eu possa lhe ensinar agora. Se sair daqui vivo vai aprender o resto por si só.

Lei pensa ter ouvido a voz do mestre de determinada direção e lá desfere uma seqüência de socos.

- Mas deixe-me lhe ensinar uma última coisa. Um mestre está acima do certo e do errado. Bem e mal são ilusões, meu caro aprendiz. Quando se percebe os mecanismos da vida, a beleza da conseqüência de cada ação, aí sim se pode tomar verdadeiramente o julgo do que for necessário para trazer aos homens a justiça divina.

Lei se confunde, pois a voz parte de todos os lados ao mesmo tempo, e, de nenhum. Pensa que o inimigo pode estar usando de alguma artimanha macabra, e está escondido em algum local, pronto para desferir o golpe final.

- Enquanto você não quebrar o curso de um rio, você não terá se tornado um mestre.

Lei pára de se movimentar e tenta prestar atenção ao movimento turbulento das sementes. Por instantes ele fixa todos os seus sentidos no ambiente e tenta sentir o as ondulações que o vento impõe às milhares de partículas brancas.
Nesse instante Lei sente exatamente a direção e a velocidade de uma lufada de sementes se aproximando. Com isso é capaz de determinar que um golpe mortal vem em sua direção.
Sem necessitar dos olhos ele prepara o contragolpe, e a fração de segundos que separa a vida da morte de Lei é o suficiente para que toda sua vida passe em seqüência pela sua mente. Seus pais sendo mortos pelos salteadores, ele se refugiando por de baixo dos corpos amontoados para não ser transformado em escravo. O mestre lhe oferecendo proteção e levando-o consigo. Os cuidados, as brincadeiras, o riso, as broncas. A vaca sendo arremessada da colina. Quando o vento pára de soprar, as sementes começam a acumular pelo campo, prontas para germinar novamente ou para serem carregadas por outros ventos. Ventos diferentes. Vindos de outras direções.
O jovem e o velho se entreolham. Estão muito próximos um do outro. O braço do velho passou por entre o peito e a axila do rapaz. Por questão de milímetros novamente. Um desvio preciso contra a morte certa. O braço do jovem estava enterrado até a altura do punho para dentro do peito do velho. Próximo ao coração.
Enquanto o sangue escorre pela boca do antigo mestre de Lei, o garoto olha aterrorizado o semblante de ternura e de contentamento do seu pai adotivo.

- Posso pedir um último favor a você, meu garoto?

Lei não consegue reagir.

- Deixe meu corpo naquela cabana abandonada.

O velho mestre fecha seus olhos e continua.

- Foi lá que eu nasci e de lá saí quando pequeno em busca dos verdadeiros caminhos da vida. Finalmente estou de volta. Gostaria de ficar em casa agora que minha viagem acabou.

Lei, em silêncio, cumpre o último pedido de um homem. Deixa seu corpo dentro do casebre abandonado e não parte antes de olhar em volta e tentar entender aquela incompreensível figura.
Seu velho mestre está sorrindo. Uma expressão de paz torna tudo ainda mais confuso para o vencedor da batalha.



Enquanto a cabana é consumida pelo fogo, Lei deixa o local sem olhar para trás. Vai continuar seu caminho para se tornar um homem cada vez mais forte e um mestre respeitado e, mais importante, temido.
Lei Shao Khan, como ficou conhecido, espalhava o medo do seu nome por onde passasse. Mas o temor era sentido apenas pelos malfeitores, pois sua presença trazia alívio aos desafortunados. Ajudou diversas vilas a se livrarem de bandos de ladrões e assassinos.
Certa vez foi a um vilarejo próspero, um dos mais belos e justos por onde já passou. Lá foi acolhido diretamente pelo Senhor, um homem que Lei não reconhecera, mas que encontrou seu espírito novamente depois ter os olhos abertos por um antigo mestre, o qual, por ironia do destino, teve a audácia de lhe apontar a foice no rosto.
Por suas andanças Lei conheceu povos, cidades e até mesmo países de línguas diferentes. Pôde aperfeiçoar seu estilo de combate desarmado e adaptá-lo a diferentes situações.
Aprendeu sobre o amor e sobre as mulheres, criaturas mais incompreensíveis e misteriosas do que o seu esquecido instrutor.
Depois de passar por tantos lugares e situações Lei Shao Khan se sentia, de certa forma, realizado. Enfim pôde espalhar a justiça dos deuses por onde passasse, tendo o seu antigo mestre como a primeira vítima dessa punição divina, que deve ser executada por onde quer que caminhe.
Próximo a uma enorme fazenda repleta de animais, pessoas trabalhando, plantações, Lei resolve descansar sentando-se em uma pedra.
Ele olha o horizonte e tenta se questionar sobre o que queria dizer seu antigo mestre quando falava sobre “quebrar o curso de um rio”. Às vezes ele até desistia de querer pensar muito em seus ensinamentos, pois os considerava vazios, vindos de alguém que não tinha compaixão com quem realmente precisasse. Perdido em seus pensamentos Lei deixa um grande pedaço de carne seca, que estava tentando tirar da sua bolsa para comer, cair por trás do ombro. Quando Lei se vira ele vê o pedaço se espatifar em algumas pedras dezenas de metros abaixo. Ele nota que está em uma colina e se lembra, imediatamente, da vaca sendo arremessada.
Não é apenas a lembrança do animal que vem à sua mente, ele se lembra do mórbido local de onde o bicho foi arremessado. A colina.
Lei está em pé e percebe, enfim, que se trata exatamente da mesma colina na qual a fatídica e cruel ação do seu mestre passou a nutrir em si a fúria mortal pela injustiça contra os mais fracos.
Ele está atordoado porque não vê mais a casa apodrecida. No lugar uma bela entrada florida e um casarão bem construído. Do lado de fora dois velhos riem à mesa. Está acontecendo uma festa. Crianças correm de um lado ao outro. Alguns adultos tentam conter a energia dos filhos, mas os jovens sempre andam mais depressa, não é mesmo?
Lei reconhece os velhos, reconhece os pais das crianças. Passou-se muito tempo. Tempo demais. Tudo era tão belo. Tantas flores. A plantação se perdia da vista, talvez quilômetros ao longe. Centenas de animais pastam livremente. À mesa, muita comida, muita gente. Todos rindo. Felizes.

- Ei! Tem um viajante no alto da colina.

- Rapaz, desça daí! É perigoso!

- É! Nossa vaca caiu daí uma vez!

- Nossa! Você se lembra disso? Faz tanto tempo.

O velho patriarca se mete na conversa.

- Sim, não há como esquecer. O que parecia ser a maior das desgraças aconteceu no mesmo dia da morte da sua irmã mais nova. O nosso animal se sacrificou para mostrar-nos o quanto éramos culpados por nossa situação. Deve ter recebido a ordem dos próprios deuses.


Os jovens filhos, genros e noras ficam em silêncio, escutando o pai falar. Os netos também, bem, pelos menos os que não estavam correndo.

- Éramos tão cegos pela derrota que se aquele viajante comilão não tivesse acabado com o que havia restado do leite, provavelmente teríamos tomado uma gota dele por dia té sucumbirmos em nossa própria miséria. Mas...

O velho se levanta acompanhado de sua mulher também idosa.

- Hoje o dia é de festa! A colheita foi muito boa! Vamos comemorar! Chamem o viajante para dividir a mesa conosco.

- Oh, andarilho! Venha se juntar a nós! Tem muita comida!

Se a perplexidade tem um rosto este está estampado em Lei Shao Khan. A transformação ocorrida ali não poderia ter sido orquestrada pelo seu mestre! Seria inumano demais a mão de um deus operando a vida das pessoas.

“- Saiba que a justiça e o desígnio dos deuses deve vir aos homens através das mãos dos mestres...”

''- Enquanto você não quebrar o curso de um rio, você não terá se tornado um mestre.”

“- Lei, se você conseguisse quebrar o curso de um rio, eu ficaria verdadeiramente surpreso.”

Enquanto a mente confusa de Lei tenta se reordenar uma lufada de vento traz, de longínqua distância, algumas sementes de dente-de-leão que passam pela frente do seu rosto fazendo Lei se virar em direção do íngreme desfiladeiro.
- SEU IDIOTA!

Lei, depois de muitos anos, sente as lágrimas novamente molharem seu rosto. O eco reverbera devolvendo o grito de ofensa ao próprio homem.

- POR QUE NÃO ME CONTOU?! EU TERIA COMPREENDIDO! EU TERIA!

Lei se ajoelha nas pedras e a tristeza, oriunda da percepção de um ato de ignorância frente à sabedoria de alguém inalcançável, torna o gosto das lágrimas ainda mais amargo.
Nessa hora a presença de uma enorme quantidade de sementes daquela flor branca sensível ao menor toque vagueia pelo desfiladeiro da colina, anunciando que novos ventos, ventos vindos de outras direções, sempre sopram. Talvez nunca saibamos sua origem ou seu destino.
Seu mestre nunca o decepcionara. Ele poderia continuar amando-o na mais profunda e completa inocência.
Lei se levanta e começa a descer o terreno verde, repleto de flores coloridas, que enchem de vida o que já fora um lamaçal de miséria, morte e desgraça.
Enquanto os moradores acenam e se dirigem para receber o viajante, Lei enxuga suas lágrimas e corre sorridente. Acompanhado pelas insistentes, leves e, admiravelmente, belas sementes de dente-de-leão.
Esses deuses caprichosos...